PEC é inconstitucional e deveria ser questionada antes da eleição, diz especialista – 01/07/2022 – Mercado

A PEC (proposta de emenda à Constituição) do Estado de Emergência, também conhecida como “PEC Kamikaze”, aprovada no Senado nesta quinta-feira (30) é inconstitucional e deveria ser barrada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), afirma o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral.

Para evitar que o presidente Jair Bolsonaro (PL) se beneficie da proposta que atropela a legislação eleitoral, o melhor caminho seria contestar o dispositivo assim que ele for promulgado pelo Congresso.

Um questionamento posterior às eleições —ou à liberação do dinheiro previsto— pode levar à cassação do registro da candidatura ou do diploma, em caso de reeleição, mas essa seria uma decisão menos provável, avalia o especialista, pois o presidente poderá alegar que agiu de boa fé e com base na legislação vigente.

Veja os principais trechos da entrevista.

PEC inconstitucional

Se aprovada, será uma PEC inconstitucional. É um estado de emergência criado de forma artificial. Se [o governo] suspendeu o decreto de calamidade pública, é porque não tem emergência agora em relação à pandemia. Estado de emergência e de calamidade pública, para efeitos de pandemia, é a mesma coisa. Em relação à guerra, ela já tem quatro meses. Então é uma emergência fabricada.

Aumento do auxílio sem PEC

Por que foi fabricada essa emergência? Aí vamos entrar na lei eleitoral. O parágrafo 10 do artigo 73 fala que não pode conceder benefícios a não ser em casos de emergência, calamidade pública, tem as exceções lá. Inclusive ressalvado programa social já existente. O aumento da verba do programa social está contemplado ali. Para aumentar de R$ 400 para R$ 600 não precisa de PEC. A lei fala que pode aumentar. Tem jurisprudência do próprio TSE, porque não está criando um novo programa. A PEC quer mais. Não é só aumentar o programa social. Quer criar programa novo, dos caminhoneiros, para os táxis, querem fazer coisas novas, quando a lei expressamente proíbe.

Quem vai questionar o STF

Então faz PEC para dizer que está acima da lei, que não vale a lei eleitoral. Há um desvio de finalidade muito flagrante que contamina essa PEC. Isso tem de ser questionado no STF. A oposição não vai fazer isso, porque votou covardemente aprovando a PEC. O Lula vai questionar? Claro que não. Mas tem um agente político que tem de agir que é o Ministério Público. Aí, quem vai decidir é o STF. Os ministros podem decidir que o Congresso tem o direito de declarar emergência e que, se declarou, realmente não vale a lei eleitoral. Tudo bem, deixa o STF dizer isso. Mas alguém tem de provocar. O procurador tem a obrigação de agir. Vamos ver. Quem sabe ele não surpreende e faz alguma coisa. Um cidadão comum não pode, mas algumas entidades também podem [questionar a PEC].

Antes da eleição

O ideal seria questionar antes das eleições. É possível pedir liminar para que essa conduta seja cessada imediatamente. Pode ser depois. Aí vai dizer que houve prática de conduta vedada para querer a cassação do registro ou do diploma se ele for reeleito. Vai ter de provar que ele foi beneficiário, é muito mais difícil, mas é possível fazer depois também. É uma conduta vedada, e uma conduta vedada, se praticada, leva à cassação do registro ou do diploma.

Boa-fé do presidente

Vamos dizer que demore para um ministro do STF decidir. Aquilo que for feito nesse período, o presidente pode dizer que fez de boa-fé. Quando praticou o ato, a emenda estava em vigor, só foi suspensa depois. Não agiu dolosamente para burlar a lei. Vai ter essa justificativa. De qualquer forma, não dá para negar que foi uma movimentação maliciosa, para burlar a lei, mas inteligente, porque você tem a questão da emergência prevista na lei e a PEC, que está acima da lei. É um passo que gera dúvida, gera discussão.

Vai criar um precedente

Agora, qualquer governante de plantão vai dizer, olha tem uma emergência porque teve enchente ou seca não sei aonde, vamos criar uma exceção à lei eleitoral. É um precedente perigoso. A gente está com o Estado Democrático de Direito prejudicado mais uma vez. Por que a lei traz essas condutas vedadas? Elas são de 2006 [ano da reeleição do ex-presidente Lula]. A lei é de 1997, mas a alteração do dispositivo é de 2006. O Congresso fez isso para evitar o casuísmo, que o governante de plantão possa se auto beneficiar. Eu abro os cofres públicos. Provoco um rombo fiscal tremendo, mas me reelejo. É isso que a lei quer evitar.

Desgaste do Supremo

Os juízes não são eleitos. Juiz tem de ter compromisso com a Constituição, com a lei. Vão cair de pau no Supremo, pedir impeachment dos ministros. Tenho certeza disso. Só que eles não estão lá para serem populares, mas para decidirem de acordo com a Constituição e a lei. Se entenderem que é inconstitucional tem de suspender. Se entenderem que é constitucional vai ser um diploma para o presidente.


Raio-X

Alberto Rollo, 52

É sócio do escritório Alberto Rollo Advogados Associados, com atuação nas áreas de direito eleitoral, direito político e partidário, administrativo, civil e empresarial.

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