Hoje, começo com Marx. “Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade suas posições e relações uns com os outros.”
As investigações que parecem comprometer em definitivo Bolsonaro são, ao que tudo indica, resultado da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente. A pergunta que se impõe é se essa colaboração com as autoridades foi livre e espontânea. Se não foi, um Toffoli do futuro poderá anular tudo, até uma eventual condenação de Bolsonaro, com base na ausência de voluntariedade.
Mauro Cid queria trair Bolsonaro? Acredito no ser humano. Acho que ajudante e ajudado gostavam um do outro e se tornaram amigos. Em condições normais Cid não se voltaria contra Bolsonaro. Assim, se definirmos que a voluntariedade exige que as decisões tomadas estejam de acordo com os desejos íntimos do indivíduo, então a colaboração não foi voluntária. Mas, como ensinava Sartre, a liberdade é sempre situada. Escolhemos o que fazemos, mas não as condições em que a escolha se dá.
Cid foi apanhado com a boca na botija, preso e precisou avaliar sua situação penal. Concluiu que o melhor era entregar os podres do ex-chefe em troca de benefícios. Ainda que se possa sustentar científica e filosoficamente que o livre-arbítrio é uma ilusão, penso que, no plano judicial, esse tipo de escolha deve ser entendido como voluntário —ou ruem os edifícios jurídico e o social.
E vejam que não é só a voluntariedade. Os exotismos do inquérito das fake news também poderão, num futuro com algumas reviravoltas políticas, servir de pretexto para grandes anulações. A Lava Jato também já pareceu sólida.
O STF merece nosso aplauso por ter enfrentado o golpismo, mas daí não se segue que não cometa erros. E um particularmente grave é sua incapacidade de assegurar a estabilidade jurídica.
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