Ao conceder o perdão da pena de 8 anos e 9 meses a Daniel Silveira (PTB-RJ), o presidente Jair Bolsonaro confrontou o STF (Supremo Tribunal Federal), acirrou o estresse entre os poderes e gerou debates sobre a constitucionalidade do ato. Desde a semana passada, a oposição protocola recursos em que pede que a iniciativa seja declarada ilegal sob a alegação de que o indulto “desmoraliza os ministros do Supremo”, é inconstitucional e desrespeita “os parâmetros da impessoalidade e da moralidade”.
Outro ponto sensivel é sobre os efeitos extrapenais do indulto presidencial. Segundo o professor de direito penal processual da UCB (Universidade Católica de Brasília) Águimon Rocha, existe divergência de compreensão entre tribunais e doutrinadores sobre quais penas podem ser perdoadas pelo decreto de Bolsonaro.
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“Há entendimento dos tribunais, STF e STJ, de que o indulto afasta somente os efeitos primários da pena, ou seja, a pena em si, a de prisão. Mas mantém todas as demais, como a inelegibilidade. No entanto, há doutrinadores aduzindo que a graça apaga tudo, ou seja, todos os efeitos primários e secundários [da condenação]”, esclarece.
Como a condenação é provisória, a defesa ainda pode recorrer à Corte. Enquanto isso, Silveira não precisa pagar a multa de R$ 192 mil, continuará em liberdade e no exercício das atividades parlamentares. Inclusive, pode se candidatar nas eleições de outubro.
“Embora seja um tema controverso na jurisprudência, não acredito que seja declarada a inelegibilidade dele, de modo que ele pode se candidatar nessas eleições. Tudo isso no caso de o indulto individual não ser suspenso por medida judicial”, explica o especialista em direito constitucional Antonio Carlos Freitas Junior.
Para ele, a excepcionalidade do caso de Silveira em um contexto de eleições acirradas deve estimular uma tramitação lenta no STF. “Juridicamente, o Supremo não pode contestar o mérito do perdão do presidente. Existe uma tradição de o Supremo não invadir inquéritos políticos, e a decisão mais enérgica da Corte questionando o decreto presidencial seria uma quebra de tradição que tensionaria essa corda”, avalia.
Crítico da decisão do Supremo, o jurista Ives Gandra vê exageros por parte da Corte e diz que o presidente tem poder para conceder o perdão. “Tenho a impressão de que vamos ter ainda uma discussão ampla sobre o assunto, porque, se o Supremo mudar a jurisprudência especificamente para esse ponto, vamos ter um conflito entre poderes. Isso é o que eu não desejo que aconteça. Se acontecer, não sabemos nunca como as coisas podem evoluir”, afirma.
Cassação do mandato
O que pode suceder, em outra esfera, é o parlamentar ser cassado em processo na Câmara dos Deputados, mas essa não é uma consequência automática atrelada à decisão do Supremo. Essa visão é corroborada pela professora de direito da USP (Universidade de São Paulo) Eliana Neme.
“A Câmara também tem um processo correndo [contra Daniel Silveira], mas no sentido de quebra de decoro parlamentar. Na minha percepção, é o melhor caminho a ser seguido. Deixar o ambiente jurídico e partir para o ambiente onde isso deveria ter sido resolvido”, detalha.
Segundo a especialista, para enfrentar a questão, o Supremo terá que desconstruir uma jurisprudência recente. Em 2020, a Corte publicou um acórdão da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.874, em que valida o decreto de indulto de Natal assinado em 2017 pelo ex-presidente Michel Temer (MDB). Na época, o então chefe do Executivo permitiu a redução do tempo de prisão a condenados por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, como os delitos financeiros.
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“Essas questões foram enfrentadas antes, sobre a possibilidade de extinguir multa e sobre a liberdade do presidente da República na concessão do indulto. O que ficou definido é que é o juízo de conveniência e oportunidade do presidente que vai fazer a determinação do indulto ou da graça. Cabe ao Supremo fazer as observâncias dos aspectos formais e constucionais, nada mais que isso.”
Silveira foi condenado a perda do mandato, suspensão dos direitos políticos e pena de 8 anos e 9 meses, acusado dos crimes de ameaça às instituições, ao Estado democrático de Direito e aos ministros do STF. O parlamentar foi absolvido em relação ao crime de incitação de animosidade entre as Forças Armadas e as instituições civis ou a sociedade.