A “graça constitucional”, benefício concedido ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) nesta quinta-feira (21) pelo presidente Jair Bolsonaro, não pode ser anulada pelo STF, de acordo com o jurista e advogado Ives Gandra Martins. A medida perdoa as penas aplicadas ao parlamentar pelo Supremo Tribunal Federal.
Gandra afirma que em 2019, quando julgou um decreto editado em 2017 pelo ex-presidente Michel Temer que perdoava penas de pessoas condenadas no âmbito da Operação Lava Jato, o Supremo reconheceu a constitucionalidade do ato do chefe do Executivo. Dessa forma, se tiver que analisar a situação de Silveira, Martins diz que o STF não pode tomar uma decisão que seja contrária a algo que já estabeleceu anteriormente.
No exemplo citado pelo jurista, o Supremo analisou uma ação que pedia a suspensão do decreto de Temer que permitiu indulto natalino a condenados por crimes contra a administração pública, como corrupção. Por 7 votos a 4, o STF julgou constitucional o ato presidencial, por entender que o Supremo não pode interferir em uma decisão exclusiva do presidente da República.
“Evidentemente, o decreto de Bolsonaro não agradou ao Supremo. Mas, juridicamente, não acho que seja muito fácil tentar derrubar ou pretender anular, com base na jurisprudência do próprio Supremo. O STF não pode ir contra a própria jurisprudência”, disse Gandra, ao R7.
Confira outros trechos da entrevista do jurista ao R7
Qual a avaliação do senhor sobre a “graça” concedida por Bolsonaro?
A decisão foi corretíssima. A Constituição diz, no artigo 84, que compete privativamente ao presidente da República conceder indulto e comutar penas. Como a Constituição não impõe limites, ele não pode ter, portanto, restrições por parte de uma lei infraconstitucional. O presidente usou uma faculdade que a Constituição lhe dá e, agora, vai ser muito difícil para o Supremo tomar uma posição. O perdão não é permitido em casos de terrorismo, mas isso não existe no caso em questão. O “falar” não é um ato terrorista. Terrorismo é pegar armas, matar. Tenho impressão de que era competência do presidente conceder o perdão, e ele assim o fez.
O senhor acredita que o Supremo vai julgar o decreto inconstitucional?
Evidentemente o decreto de Bolsonaro não agradou ao Supremo. Mas, juridicamente, não acho que seja muito fácil tentar derrubar ou pretender anular, com base na jurisprudência do próprio Supremo. O STF não pode ir contra a própria jurisprudência. Primeiro, porque o presidente tem direito, a qualquer momento, a conceder indultos. E, também, porque, na época em que o Supremo analisou o decreto do ex-presidente Michel Temer, o plenário decidiu manter o ato presidencial. Quando o decreto foi editado, em 2017, Alexandre de Moraes (relator do julgamento contra Silveira) era ministro da Justiça de Temer e deve ter orientado o presidente no sentido de conceder o indulto. Quando do julgamento, em 2019, Moraes já era ministro do STF e manteve a mesma posição. É em cima dessa decisão, inclusive, que o presidente Jair Bolsonaro baseia o seu decreto.
O processo de Silveira ainda não transitou em julgado, pois ainda cabe a apresentação de recursos. Isso não atrapalha a aplicação do decreto?
De forma alguma. O presidente Bolsonaro fez questão de citar no decreto dele a decisão do STF (sobre o decreto de Temer). Quando Temer concedeu o benefício, os processos de alguns condenados que estavam na Lava Jato ainda não tinham transitado em julgado. Os casos estavam em andamento naquela ocasião.
O perdão do presidente vale inclusive para a pena que deixa o deputado inelegível por oito anos?
Sim. Na decisão do Supremo sobre o decreto de Temer, o próprio Alexandre de Moraes disse que não necessariamente somente a pena maior tem que ser indultada. Segundo ele, poderiam ser indultadas todas as penas que são menores. O que é mais grave? Ele não poder ser deputado ou ficar preso oito anos? Se ele está livre da prisão, diz o Alexandre naquela votação, que as penas menores têm que também ser afastadas. Em direito, há uma frase muito simples que todo advogado sabe: quem pode o mais pode o menos. Foi o que disse o Alexandre naquele outro julgamento, que todas as penas menores seriam afastadas. No caso de Silveira, quem pode o mais, que é ficar livre da prisão de oito anos, pode o menos, que é continuar sendo elegível.