A taxa de doadores efetivos registrada no ano passado foi de 15,1 por milhão de população (pmp), uma redução de 17% em comparação à de 2019
Ana Botallo
São Paulo, SP
A pandemia da Covid-19 causou, pelo segundo ano consecutivo, a queda no número de doadores efetivos para transplante de órgãos no Brasil, confirmando o impacto que a crise sanitária teve nos pacientes que necessitam de doação de órgãos.
A taxa de doadores efetivos registrada no ano passado foi de 15,1 por milhão de população (pmp), uma redução de 17% em comparação à de 2019, de 18,1 pmp, e de 4,4% em relação à de 2020, de 15,8 pmp.
Por outro lado, o número de doadores potenciais foi o maior dos últimos sete anos, alcançando 57,7 pmp.
O alto número de contraindicações para doações, de quase um quarto do total de doadores potenciais (24%), reflete na redução no número de doadores efetivos. Em 2020, esse valor era de 15%.
Os dados são da última edição do Registro Brasileiro de Transplantes, publicação oficial da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), que traz informações de 2014 a 2021.
De acordo com o relatório, a contraindicação para realizar as doações no início da pandemia foi uma medida para evitar a transmissão do coronavírus aos transplantados, mas os dados de estudos científicos existentes sugerem que esse risco é mínimo ou ausente.
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Essa compreensão, porém, não se refletiu na diminuição da contraindicação, com prejuízo de mais de mil órgãos que poderiam ser doados e mais 948 potenciais doadores.
Ilka Boin, secretária da diretoria da ABTO, explica que muito do represamento dos dois anos da pandemia foi pela demora em obter os resultados dos testes para coronavírus dos potenciais doadores e transplantados.
“Antes, todo o processo, quando o potencial doador entrava no hospital, podia levar até 48 horas para sair o resultado do exame RT-PCR, e isso acaba prejudicando o andamento da fila”, diz.
Boin afirma que a associação está dialogando com as comissões de infecção hospitalares e com o Sistema Nacional de Transplantes para legislar sobre a possibilidade de usar órgãos de doadores com resultados para Covid positivos, mas assintomáticos, como é feito nos Estados Unidos e na Europa.
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Ela acredita, ainda, que a perspectiva para 2022 será positiva, principalmente pelo caráter de melhora da pandemia. “É claro que ainda não temos como saber como será o nosso outono e inverno, mas acreditamos que se conseguirmos voltar aos patamares de 2019, já será muito bom.”
Em números absolutos, foram registrados 12.215 doadores potenciais em 2021, dos quais 3.207 foram efetivos.
A região que mais concentrou doações efetivas foi a Sudeste, com 1.564, seguida pela Sul, com 867 doadores efetivos.
A taxa de doadores por milhão de população foi maior na região Sul, quase o dobro da média nacional, com 28,7 pmp. A Norte teve a menor, de apenas 2,4 pmp.
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Os rins correspondem à maior concentração de transplantes realizados, com 4.750 cirurgias efetivadas em 2021. Esse número, no entanto, representa uma queda de 1,5% em relação a 2020, quando foram realizadas 4.822 operações. Em comparação a 2019, quando houve 6.296, a diminuição é de 25%.
Como indicado em edição anterior do relatório, a taxa de transplante de doador vivo, que em 2020 foi a menor registrada desde a década de 1980, de 2,1 pmp, continua reduzida, mas teve um aumento de 28% em comparação ao ano anterior, chegando a 2,7 pmp.
“Quando você olha para a curva de necessidade e de transplantes efetivos, ainda fazemos muito aquém do necessário para alguns órgãos”, diz Boin.
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Outro órgão que teve uma redução no número de transplantes nos dois últimos anos foi fígado, com uma diminuição de 2% em relação a 2020, de 2.067 para 2.033, e uma queda de 10% em relação a 2019, de 2.259.
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Os demais órgãos tiveram aumento na realização de transplantes em 2021 em comparação a 2020.
Apesar desse cenário de recuperação, ainda há 48.673 pessoas na fila de espera por transplante de órgãos, a maioria (56,7%) aguarda para receber rins. O número de pacientes que morreu em fila de espera por um órgão em 2021 foi de 4.214.
De acordo com os dados do relatório, houve aumento de 70% do ingresso de pacientes para transplante de rins em 2021 em relação ao ano anterior, situação influenciada pelo represamento em 2020, primeiro ano da pandemia.
A mortalidade de pacientes que aguardam um órgão renal passou de 6,6% para 10,7%, ocasionado principalmente pelo alto risco de morte nessa população frente à infecção por coronavírus. “Mas esses pacientes são, em geral, mais cuidadosos e, por isso, reconhecemos que a mortalidade em fila de espera não foi tão elevada quanto o esperado, o fator que é agravante é a exposição do indivíduo em ambientes de alto risco, como transporte público”, afirma a médica.
Em relação aos pacientes pediátricos, 1.090 crianças aguardam um transplante, sendo 598 (55%) por córneas, 347 (31,8%) rins, 78 (7,2%) fígado, 56 (5%) coração e 11 (1%) pulmões. O número de transplantes realizados no último ano em crianças foi de 583, com 82 mortes ocorridas enquanto aguardavam por um órgão.
Estudos científicos mostram que as duas vacinas ou vacina única da Covid não oferecem proteção para esse grupo, sejam os pacientes imunossuprimidos, que fazem diálise, sejam os transplantados. Por isso, é recomendado nessa população o esquema primário vacinal com três doses e uma quarta dose para o reforço, especialmente frente à variante ômicron, mais transmissível. “A quarta dose para os transplantados e imunossuprimidos em geral é vital”, diz Boin.