Ao todo, 182 pessoas morreram e 29 seguem desaparecidas após os temporais e cheias que começaram no final de abril. Casas provisórias, site do Auxílio Reconstrução e movimento no Aeroporto Salgado Filho
g1 e RBS TV
O Rio Grande do Sul completa, no início desta semana, os três meses dos temporais que provocaram a histórica enchente entre abril e maio. Ao todo, 182 pessoas morreram e 29 seguem desaparecidas, segundo a Defesa Civil.
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O mês de julho foi marcado pela ocupação dos primeiros centos de acolhimento, destinado a pessoas desabrigadas; a fiscalização do governo sobre a liberação do Auxílio Reconstrução; e a retomada, ainda que parcial, da operação de espaços como o Aeroporto Salgado Filho e o Estádio Beira-Rio.
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Relembre, nesta reportagem, os principais acontecimentos relacionados à enchente durante o mês.
Centros de acolhimento
No dia 4 de julho, as primeiras famílias de desabrigados pelas enchentes começaram a chegar nas moradias temporárias de Canoas, na Região Metropolitana. Também conhecida como “cidades provisórias”, os espaços abrigam os moradores até que casas definitivas sejam construídas.
A primeira “cidade provisória” de Porto Alegre foi inaugurada no dia 11 de julho. Já o terceiro centro de acolhimento, também erguido em Canoas, recebeu moradores no dia 22.
A atualização mais recente do governo do estado afirma que 3,3 mil pessoas seguem desabrigadas no RS.
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Auxílio Reconstrução
O Auxílio Reconstrução, que destina R$ 5,1 mil a famílias diretamente afetadas pela enchente, passa por um “pente fino” no governo federal. O Jornal Nacional revelou que mais de 300 mil solicitações estão sendo investigadas por suspeita de irregularidade.
Fraudadores estão de olho nos recursos públicos liberados a quem foi afetado pela enchente. Em Canoas, a reportagem identificou duas tentativas de acessar dinheiro da prefeitura e do governo federal: um homem que estava preso à época da inundação e a dona de uma salão de beleza fechado seis meses antes da tragédia.
Dos 630 mil pedidos para receber o Auxílio Reconstrução, 1.262 foram feitos no nome de pessoas que constam como mortas nas bases de dados do governo federal. Contudo, nem todos os registros são de pessoas que, de fato, morreram. Um morador de São Leopoldo não consegue acesso ao benefício porque foi dado como morto, mesmo estando vivo.
O governo prorrogou o prazo para cadastro das famílias, após 144 das 444 cidades aptas a cadastrar a população no programa não incluírem nenhuma pessoa ou nenhum endereço no sistema federal.
Uma lista pública de quem recebeu o dinheiro foi liberada para consulta pelo governo, que reprovou 115 mil cadastros para o Auxílio Reconstrução.
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Retomada da economia
Uma pesquisa do Cartórios de Protesto RS aponta que sete em cada 10 moradores da Região Metropolitana de Porto Alegre tiveram a capacidade de comprar produtos essenciais afetada. Mais da metade dos entrevistados revelaram ter perdido bens materiais. Além disso, seis em cada 10 tiveram a renda impactada pelas enchentes.
Um balanço do governo estadual aponta que as vendas da indústria gaúcha no momento mais crítico para o setor na enchente tiveram uma queda de 87% em comparação com o mesmo período do mês anterior.
O governo federal definiu os critérios para que famílias que tiveram os imóveis destruídos ou interditados pela enchente sejam atendidas pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Famílias com idosos, crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência terão prioridade na ordem de cadastro dos dados.
O programa Re-Empreender RS, um novo pacote de medidas destinado a revitalizar os micro e pequenos negócios afetados pelas enchentes, foi lançado pelo governo do estado. O projeto inclui a criação de linhas de crédito subsidiadas pelo estado, além de um programa de recuperação e consultoria para microempreendedores individuais (MEIs).
O estado também teve sinais de recuperação, com um aumento de 206% na venda de carros. Os emplacamentos subiram de 2.973 em maio para 9.114 no mês seguinte.
Retomada no aeroporto
A pista do Salgado Filho ficou 75% submersa, segundo a Fraport, empresa alemã que administra o terminal. O g1 consultou um especialista para conferir quais são as condições da pista após a inundação e os possíveis reflexos desse problema para a retomada das operações.
Julho começou com as imagens da limpeza do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre. A etapa é mais um passo na preparação da retomada de operações do terminal.
Novas imagens do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre
Divulgação/Fraport
No dia 15, o aeroporto reabriu as portas, com a retomada do embarque e desembarque de passageiros no terminal, após 73 dias fechado devido à enchente. O terminal segue sem operar voos, que foram redirecionados para a Base Aérea de Canoas.
Um dia depois, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, afirmou que o Aeroporto Salgado Filho será parcialmente aberto em outubro e estará em pleno funcionamento até dezembro.
Veja imagens da recuperação da pista do Salgado Filho
Aeroporto Salgado Filho tem prazo para volta de operações totais
Retomada dos transportes
No dia 4 e julho, a Rodoviária de Porto Alegre voltou a funcionar normalmente, com viagens diurnas e noturnas. O catamarã, que faz a travessia entre Porto Alegre e Guaíba, voltou a circular em 7 de julho.
Operando desde 30 de maio, a Trensurb, empresa pública de trens que atua em Porto Alegre e Região Metropolitana, voltou a cobrar a tarifa normal de R$ 4,50.
Por outro lado, grande parte das ferrovias do Rio Grande do Sul está obstruída desde as enchentes de maio e, por conta disso, o estado não tem ligação com o restante do país. O principal impacto está associado ao transporte de combustíveis, já que 80% do etanol chega ao estado pelos trilhos.
Rio Grande do Sul está isolado do restante do país no transporte ferroviário
Retomada no futebol
O Internacional voltou ao Beira-Rio depois de 70 dias. A Arena do Grêmio só deve ser reaberta em setembro, mas o anúncio feito pela administradora do estádio animou os tricolores.
A limpeza do vestiário da Arena do Grêmio está praticamente concluída. Com esta etapa encaminhada, profissionais estão trabalhando na instalação do novo mobiliário e na manutenção de acabamentos.
Vestiário da Arena antes e depois de limpeza
Emanuel Prestes/Arena do Grêmio
Rotina nas cidades
No início do mês, quando o estado registrou temperaturas baixas, moradores seguiam vivendo em barracas improvisadas em rodovias.
“Nós somos pobres. O pouco que a gente tem, faz falta. No inverno, que era para gente estar agasalhado, dentro de uma casa, quentinho, a gente tá assim”, disse Maria Machado da Silva, apontando para a moradia improvisada montada na BR-290, em Porto Alegre.
Desabrigados por enchente improvisam moradias em barracas às margens de rodovia no RS
RBS TV/Reprodução
No dia 1º de julho, Porto Alegre voltou a ter todas as casas de bombas em funcionamento. Os imóveis abrigam equipamentos elétricos capazes de drenar a água da cidade. Dois dias depois, a prefeitura reabriu duas comportas do sistema anticheias que foram fechadas em 24 de junho devido ao risco de transbordamento do Guaíba.
Lideranças locais da Ilha da Pintada, no bairro Arquipélago, em Porto Alegre, receberam um treinamento de ação e prevenção em situações de emergência – formação que já foi feita após o terremoto no Haiti em 2021. A região das Ilhas foi uma das mais atingidas da capital em razão da cheia do Guaíba.
Um carro, arrastado pela força da água durante as enchentes que atingiram a capital e que estava submerso, foi encontrado próximo aos trilhos da Trensurb após a religação de uma casa de bombas na Zona Norte de Porto Alegre.
Drenagem revela carro submerso após 2 meses em Porto Alegre
Em Canoas, alguns moradores foram pegos de surpresa com a chegada de contas de água com valores que chegam até R$ 1 mil. A taxa foi cobrada, inclusive, de famílias que voltaram para casa só em julho, dois meses longe depois que uma enchente atingiu cerca de 80% da cidade.
No Sul do estado, um drone da Marinha do Brasil sobrevoou regiões próximas à cidade de Rio Grande e registrou áreas que seguem inundadas. O drone conseguiu captar imagens da Ilha dos Marinheiros.
Imagens revelam áreas inundadas em Rio Grande dois meses após enchente
Já na Serra, em Gramado, pelo menos 31 casas deverão ser demolidas, após desmoronamentos durante as chuvas que atingiram o estado em maio. Um estudo contratado pela prefeitura apontou a necessidade de obras de contenção depois das rachaduras observadas nas residências, localizadas no bairro Piratini. Não há prazo para os trabalhos.
Essas moradias vão precisar ser desapropriadas, com o pagamento de indenização dos moradores, para que os terrenos sejam usados para as obras. Ao menos uma rua, a Henrique Bertolucci, desabou na época das chuvas.
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Meio ambiente
Os temporais também afetaram a produção de mel no estado. A Câmara Setorial de Apicultura afirma que 6 bilhões de abelhas morreram com as chuvas, destruindo 19,4 mil colmeias e afetando 37 mil apicultores gaúchos.
Com excesso de chuva, a oferta de néctar e polén diminui nas flores. Isso faz com que as abelhas percorram distâncias maiores atrás de alimento, gastando mais energia. As questões climáticas também afetam a reprodução dos insetos, diminuindo a população das colmeias. Além disso, as colmeias ficaram submersas ou foram carregadas pela força das águas.
Perdas na produção de mel chegam a 70% no RS
Helicópteros lançaram, no dia 17 de julho, cinco milhões de sementes de 28 espécies da Mata Atlântica para ajudar a recuperar áreas atingidas pela enchente no Vale do Taquari. A ação ocorreu em Santa Clara do Sul, Marques de Souza e Pouso Novo.
A ideia das equipes é acelerar a estabilização do solo e reduzir as chances de novos deslizamentos na região, além de recuperar os danos ambientais da enchente.
Equipes lançam 5 milhões de sementes de 28 espécies nativas no Vale do Taquari, RS
Um outro impacto das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul começou a ser visto na Zona Sul de Porto Alegre após a redução do nível do lago Guaíba. Entre o Estádio Beira-Rio e o bairro Arquipélago, junto à Ilha das Balseiras, um grande banco de areia apareceu.
Redução do nível do lago Guaíba fez aparecer um grande banco de areia
Tiago Boff/RBS TV
Lixo nas cidades
O lixo preocupou a população na Região Metropolitana durante o mês de julho. Em Alvorada, havia ruas cobertas de lama, entulho e lixo, com áreas alagadas e, segundo moradores, esgoto. Em Canoas, um parque registrou acúmulo de lixo, com o entulho descartado no local se estendendo por mais de 1 km e formando “montanhas” de até 6 metros de altura.
Porto Alegre também observou montanhas de lixo, mesmo com 92 mil toneladas de resíduos retiradas das ruas. O número representa 30 campos de futebol com um metro de altura ou 41 mil viagens de ida e volta por caminhões carregados de lixo.
Em Eldorado do Sul, o entulho ainda tomava as ruas da cidade. Eram colchões, roupas e móveis que um dia ocuparam as casas que foram destruídas pela enxurrada.
O aterro de Gravataí que recebia os entulhos da enchente de Porto Alegre e Canoas teve as operações suspensas após pedido do Ministério Público (MP) no dia 19 de julho. Denúncias enviadas ao órgão indicam que o local estaria funcionando sem respeitar as determinações da licença ambiental, com risco de contaminação do solo e da água, além da possibilidade de incêndios.
Licença de aterro que recebia entulhos de Porto Alegre e Canoas é suspensa
Mundo animal
A tragédia do RS também revelou o heroismo dos cachorros. Além de atuarem em diversos resgates, cães doaram sangue para cachorrinhos que passam por algum tratamento de saúde, demanda que aumentou após as enchentes.
Lembra do cavalo Caramelo? O equino que se tornou símbolo de resistência em meio às enchentes está saudável e já ganhou 40 kg desde que foi resgatado do telhado de uma casa em Canoas.
O Hospital Veterinário da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) atualizou o quadro clínico do animal. Caramelo já recebeu uma vacina que previne tétano, influenza e encefalomielite equina, e fez exames de rotina, como coleta de sangue.
Cavalo Caramelo recebe vacina e faz exames de rotina na Ulbra
Divulgação/Ulbra
Produtos da enchente
Julho também foi marcado por operações contra a venda de produtos danificados durante a enchente. Uma rede de supermercados encaminhou mercadorias atingidas pela enchente em Eldorado do Sul para uma outra unidade, em Charqueadas, onde os produtos eram limpos e vendidos, segundo a Polícia Civil. A Vigilância Sanitária fechou o estabelecimento de Charqueadas no dia 3.
Em Novo Hamburgo, a Polícia Civil prendeu em flagrante o dono e o gerente de uma rede de supermercados pela venda de produtos que foram atingidos pelas enchentes. De acordo com a delegada Marina Goltz, a rede transportou itens contaminados de uma unidade da rede que inundou para serem vendidos em outra, não não teria sido atingida.
A chefe da Unidade de Vigilância Sanitária de Porto Alegre, Denise Garcia, alerta que esses produtos podem representar um risco significativo ao consumidor.
“Recebemos denúncias de pessoas que estavam reaproveitando inadequadamente esses produtos, fazendo uma lavagem, assim, superficial. Mas a gente sabe que as embalagens em si podem absorver produtos, não sabemos o que tinha nessa água”, afirma Denise.
Rede de mercados lavava produtos danificados pela enchente e vendia em outra unidade no RS
Investigações
Outras investigações e denúncias foram apuradas ao longo do mês. Três suspeitos de integrar um esquema que prometia antenas de internet via satélite gratuita da empresa norte-americana Starlink, do bilionário Elon Musk, foram presos pela Polícia Civil. Conforme a investigação, os golpistas se valeram do período de enchentes para disseminar falsos anúncios na internet.
Uma falsa veterinária de 31 anos, que atuava de forma irregular em um abrigo de animais em meio à enchente em Novo Hamburgo, teve as contas bancárias bloqueadas pela Justiça por negar a prestar contas mesmo diante das autoridades.
Na capital, o Tribunal de Justiça proibiu a Cobasi de comercializar animais de qualquer espécie em lojas situadas em shoppings centers em todo o Brasil. A decisão foi tomada após o caso no qual a unidade da Cobasi localizada no Shopping Praia de Belas, em Porto Alegre, foi inundada durante a enchente, resultando na morte de 175 animais.
Em Muçum, no Vale do Taquari, um gato que fugiu de uma casa e se machucou durante a enchente virou um caso na Justiça após ficar internado em uma clínica veterinária. Miu foi hospitalizado por uma ONG de Caxias do Sul, que, segundo a tutora, teria pedido R$ 3 mil para buscá-lo, cobrindo os custos. O Tribunal de Justiça determinou a busca e apreensão do animal na clínica veterinária.
Cogumelos em processos
Mais de 1 milhão de processos foram atingidos pela enchente no Arquivo-Geral do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), na Zona Norte de Porto Alegre. As águas chegaram a atingir quase três metros de altura no local em maio, levando à formação de mofo e ao nascimento de cogumelos.
Após a água baixar, camadas de lama, materiais orgânicos e óleo ficaram expostos, o que contribuiu para a proliferação de fungos. Os arquivos estão ilegíveis por conta do impacto da água. No entanto, a equipe do Arquivo-Geral trabalha para recuperá-los, ainda que a tarefa leve anos.
Um grupo de especialistas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) chegou ao Rio Grande do Sul para auxiliar nos trabalhos de reconstrução de obras de arte e patrimônios históricos atingidos pela enchente. Os especialistas têm experiência na recuperação de documentos e obras importantes para a memória da humanidade após desastres.
Cogumelos nascem em processos em depósito do TRT4, no RS
Reprodução/RBS TV
Descobertas científicas
A enchente também possibilitou algumas descobertas científicas. Pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) encontraram um fóssil de dinossauro parcialmente exposto em um sítio fossilífero no interior de São João do Polêsine.
Os pesquisadores afirmam que o espécime tem cerca de 233 milhões de anos, sendo um dos dinossauros mais antigos do mundo.
Apesar de as chuvas revelarem novos fósseis, elas também potencializam a destruição dos achados por conta da ação da água, do vento e do sol. Com isso, os materiais menores são os mais afetados, podendo ser revelados e destruídos em um mesmo período de chuvas.
Fóssil de dinossauro é encontrado no RS após ação das chuvas na enchente
A enchente também revelou um sítio arqueológico de um povo que viveu há 10 mil anos em Dona Francisca. Em uma lavoura de arroz, foram encontradas pedras lascadas de caçadores coletores, bem como cerâmicas do povo Guarani, que habitou o estado há 5 mil anos.
Os itens foram encontrados por moradores e agricultores da região em maio, no interior do município, às margens do Rio Jacuí, que extravasou e inundou a área.
Sítio arqueológico de povo que viveu há 10 mil anos no RS é encontrado em lavoura de arroz
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