Os recursos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos autorizados pela LOA (Lei Orçamentária Anual) em 2022 e destinados às políticas para as mulheres somam o menor valor dos últimos quatro anos: R$ 43,28 milhões, mostra levantamento do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
Em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, a cifra foi de R$ 71,95 milhões. Em 2020, aumentou para R$ 132,57 milhões e, no ano passado, caiu para R$ 61,40 milhões.
Do total de 2022, apenas R$ 5,1 milhões são para enfrentamento à violência e promoção da autonomia e R$ 8,6 milhões para as Casas da Mulher Brasileira (aproximadamente R$ 318 mil por estado, se for executado).
“Essa é a alocação mais baixa dos quatro anos de gestão da ministra Damares”, diz Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.
O estudo aponta ainda que, no ano passado, o ministério executou cerca de metade dos R$ 61,40 milhões autorizados pela LOA em políticas para as mulheres. Houve ainda a execução de mais R$ 35,14 milhões, porém referentes a restos a pagar, ou seja, pagamento de contratos firmados em anos anteriores.
O relatório mostra também que, em 2020, o governo executou 30% dos R$ 132,57 milhões autorizados para uso nos programas de enfrentamento da violência contra as mulheres. Isso significa que R$ 93,6 milhões não chegaram aos estados e municípios para financiar a rede de atendimento.
“Precisamos reafirmar a demanda das mulheres por políticas públicas de qualidade, com orçamento específico e execução eficiente. Isso porque o Brasil continua a ser o país que registra um feminicídio a cada seis horas e meia, e o que mais mata pessoas trans no mundo”, diz o Inesc no estudo.
Para o Inesc, a Casa da Mulher Brasileira, em que são oferecidos serviços como acolhimento e triagem, apoio psicossocial e delegacia especializada, “permaneceu negligenciada pela ministra Damares Alves em 2021”.
O instituto diz que, no passado, houve o gasto de R$ 1 milhão dos R$ 21,8 milhões autorizados para execução. Ainda segundo a entidade, em 2019, nada foi executado e, em 2020, foram R$ 308 mil dos R$ 71,7 milhões disponíveis.
O levantamento aponta que o recurso do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher –que, nesta gestão, foi integrado ao Ligue 100, de denúncias sobre violações de direitos humanos–, permaneceu estável em termos de volume orçamentário autorizado e executado.
“Isso significa que a porta de entrada da política pública de enfrentamento à violência segue funcionando, embora a ministra insista em desconfigurar o serviço, como foi o caso da nota técnica do ministério que recomendou que o canal recebesse denúncias de pessoas antivacinas. Felizmente, o STF [Superior Tribunal Federal] proibiu a medida estapafúrdia”, diz Zigoni.
O presidente fundador da ONG Beleza Escondida, Patrick Reason, um dos responsáveis pela administração de duas casas de abrigo para mulheres em Curitiba (PR), afirma que o ministério comandado por Damares poderia abrir mais editais, por exemplo, para investimentos em cursos de formação e autonomia das mulheres, para projetos para melhoria de brinquedoteca para as crianças que ficam com as mães nos abrigos e para a manutenção dos espaços, como reformas.
“A realidade é que temos muita demanda para melhorar esses espaços e pouca verba. Reconhecemos a importância da Casa da Mulher Brasileira, mas é um programa de passagem, pois a mulher é atendida por, no máximo 72 horas, enquanto nos abrigos não há prazo determinado de permanência”, diz Reason.
Segundo ele, há menos de 130 abrigos para mulheres no Brasil, número irrisório diante da situação. “A conta não fecha. Precisamos de mais espaços protetivos e humanizados para essas mulheres e seus filhos. É necessário investimento e financiamento nessas políticas. Só existe violência onde há desigualdade de poder, dependência psicológica e financeira.”
Procurado pela reportagem, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirmou que o orçamento para mulheres não é executado somente a partir da pasta. “A política de promoção de direitos e de assistência social e em saúde da mulher é transversal, e envolve praticamente toda a Esplanada”, afirmou.
Sobre os restos a pagar, o ministério afirma que a maior parte é decorrente de obras da Casa da Mulher Brasileira. “São 30 casas com implementação, atualmente. Programa que já recebeu investimentos na ordem de R$ 98 milhões por este governo. Ou seja, temos a garantia da execução da política pública. Entretanto, seguindo as boas práticas de uso racional do erário, os pagamentos são realizados conforme o andamento da obra. Por isso a execução total ainda está em andamento.”
O orçamento de 2022, diz a nota, conta “com aumento de quase R$ 5 milhões em recursos discricionários e R$ 7 milhões em emendas individuais, fruto da credibilidade do parlamento nas ações da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres”.