Em evidência devido à investigação sobre a trama golpista nos estertores do governo Jair Bolsonaro, o advogado Paulo Amador da Cunha Bueno tem uma série de afinidades com o ex-presidente, seu cliente: é monarquista, admirador de militares e integrou o conselho da fabricante de armas Taurus.
Apesar disso, ele diz que prefere ressaltar suas credenciais profissionais. É professor da PUC-SP, doutor em direito penal e advogado criminalista no que ele chama de um “escritório boutique” no Itaim Bibi, em São Paulo. A escolha pela ênfase no perfil técnico reflete uma mudança na estratégia de defesa do ex-presidente.
Na mira da Justiça em diversas frentes, Bolsonaro deixou de lado no caso mais sensível de todos o estridente advogado Frederick Wassef, que passou a engrossar a lista de alvos da Polícia Federal. Optou por uma trinca de defensores que se divide em diferentes funções.
Bueno, diz o próprio, está à frente da parte criminal. Bolsonaro até o momento não foi indiciado, mas suspeitas sobre a prática dos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e associação criminosa levaram a PF a deflagrar uma operação em fevereiro.
Ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social de Bolsonaro, Fábio Wajngarten cuida basicamente dessa mesma área, segundo Bueno. “Ele tem carteira da OAB, mas não advoga. Mas foi secretário de Comunicação e a gente sabe que esse é um caso que envolve muito essa questão”, afirma.
Completa o trio Daniel Tesser, advogado à frente de escritório especializado em direito aduaneiro e tributário. Segundo Bueno, Tesser foi chamado porque essas duas áreas eram importantes no caso da investigação relativa às joias presenteadas pela Arábia Saudita.
A conjugação de esforços, principalmente do direito penal com a comunicação, ficou evidente no uso da expressão “investigação semissecreta” para designar a apuração sobre a articulação golpista.
“Parece que está viralizando bem”, disse Bueno à Folha horas depois de usar a expressão após depoimento de Bolsonaro no qual o ex-presidente ficou calado. O advogado voltou a usar o termo para negar que seu cliente tenha admitido crime ao falar da chamada minuta do golpe em discurso na avenida Paulista, em São Paulo.
Seu contato hoje com Bolsonaro é “direto e diário”, afirma. A relação de empatia foi reforçada, segundo ele, por uma coincidência que envolve a captura de Carlos Lamarca, guerrilheiro que integrou a luta armada contra a ditadura militar.
“O Bolsonaro cresceu na fazenda do meu primo Jorge Alves Lima, em Eldorado [SP]”, diz o advogado.
“Ele conheceu o Exército por conta de uma operação que houve naquela região para capturar o [guerrilheiro] Lamarca, aquele terrorista que fez um campo de treinamento de terroristas. E quem comandou essa operação foi o meu avô.”
Está também nas raízes familiares do advogado outra fonte de afinidade com Bolsonaro.
Assim como o ex-presidente angariou o apoio de descendentes da família real ao longo de seu mandato, Bueno tem entre os primos alguns expoentes da luta pela volta da monarquia, como Antônio Henrique Cunha Bueno, deputado federal por sete mandatos.
Com uma bandeira do Brasil Império como imagem de perfil no WhatsApp, o advogado do ex-presidente também tem simpatia pela monarquia.
O regime hoje seria inviável, segundo ele, porque a família real não representa mais a identidade do povo brasileiro. Mas considera a República um erro. “Eu gosto da ideia da monarquia parlamentar. O monarca personifica a unidade de um povo.”
As afinidades com os militares são outro ponto em comum com Bolsonaro. O advogado do capitão reformado passou pelo Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de São Paulo (CPOR) em sua juventude. Seu avô lutou na Segunda Guerra Mundial e seu pai e primos também prestaram serviço militar.
Bueno também tem ligação com outro tema caro à agenda de Bolsonaro: as armas. Seu nome consta de campeonatos de tiro e ele fez parte do conselho de administração da Taurus, fabricante de armas, de 2011 a 2013.
Está ainda no conselho da Paranapanema, indústria de cobre, e já integrou os da mineradora Buritirama e da construtora Azevedo & Travassos.
Bueno conta que passou a integrar a defesa do presidente por indicação do deputado estadual Tomé Abduch (Republicanos), que foi cogitado para o secretariado do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB).
O defensor recebeu Bolsonaro como cliente quando boa parte da elite do mundo jurídico já havia mostrado seu descontentamento com o então presidente. Foi na Faculdade de Direito da USP que foi lida carta em reação às suas ameaças golpistas. O texto teve mais de 1 milhão de assinaturas. A de Bueno não estava entre elas.
Democracia é isso, diz. “Muitos advogados que simpatizam com a ideologia mais à esquerda hoje têm se manifestado com grande indignação com relação a garantias que têm sido deixadas de lado na condução desses casos”, afirma, citando por exemplo a proibição de comunicação de clientes por meio de seus advogados.
De porte pequeno, o escritório de Bueno tem sete profissionais, segundo ele. Uma das integrantes da equipe é a modelo e atriz Angelita Feijó, hoje estagiária, que é mulher do advogado.
Junto com Wajngarten e Tesser, ele tem adotado na defesa de Bolsonaro uma estratégia que mescla argumentos jurídicos com movimentos políticos. Ao menos, foi essa a leitura de advogados sobre o pedido de afastamento do ministro Alexandre de Moraes das investigações, desde o início tido como muito improvável.
Por outro lado, também da parte de Moraes há indícios de uma estratégia. A falta de detalhamento nas decisões do ministro sobre a hierarquia da suposta organização criminosa que planejava o golpe de Estado em favor de Bolsonaro indica uma roteiro de investigação por etapas que é adotado em casos com grupos criminosos complexos.
Se Moraes é descrito como paciente e metódico por aliados, Bueno também tenta projetar serenidade. “Não estou tomando Rivotril para dormir não”, afirma.