O Brasil poderia ser uma referência mundial em todos os campos do poder. Temos a quinta extensão territorial no mundo, economia entre as dez mais importantes, celeiro de um planeta carente de alimentos e uma população de 220 milhões de habitantes.
Essas potencialidades, entretanto, não se mostram suficientes para que o país obtenha reconhecimento como ator importante no contexto geopolítico internacional.
A diplomacia é a vitrina mais luminosa para projeção de um país.
Ocorre que estamos limitados pelo amadorismo do chefe de governo na condução desse assunto, o que torna evidente a necessidade de promover uma discussão amplificada do tema.
Nos últimos anos, nos metemos nas escaramuças eleitorais intestinas na Venezuela, Chile e Argentina, nos alinhamos incondicionalmente aos Estados Unidos, para agora nos distanciarmos, desconsideramos o apoio da Noruega e a Alemanha ao meio ambiente, atacamos o principal parceiro comercial, a China.
Há poucos aspectos positivos nesses movimentos. Na diplomacia, envolver-se em litígio sem propósito bem delineado, sempre foi contraproducente.
É hora de banco escolar.
Tucídides, historiador grego, descreve em sua obra A História da Guerra do Peloponeso a passagem conhecida como Diálogo Meliano, sempre atual.
Quando os gregos propuseram aos habitantes de Melos que se alinhassem com Atenas não lhes deixavam alternativas.
O emissário afirmou aos melianos: “Os fortes fazem o que podem e os fracos sofrem o que devem”.
Os melianos defendiam que era injusto sofrer pressões quando os lados em contencioso tinham poderes desproporcionais.
Ingenuamente, acreditavam que Esparta viria em socorro contra uma agressão perpetrada pelos gregos. Os espartanos não vieram.
Os gregos desembarcaram de seus navios, estabeleceram um acampamento e atacaram as fortificações indefesas, liquidando todos os homens e escravizando mulheres e crianças.
Diplomacia é uma ciência sofisticada. A formação de um diplomata leva anos e só os fortes sobrevivem. Que se ressalve a qualidade profissional dos nossos quadros herdeiros de Rio Branco.
Não deve ser, portanto, conduzida por amadores, operadores de bolhas digitais ou sábios de Google.
Coincidência ou não, o conflito entre a Rússia e a Ucrânia assumiu-se como o mais perigoso para as relações multilaterais de diversos países neste século XXI.
Está exigindo uma laboriosa diplomacia militar. Uma constante sístole e diástole nas posturas e declarações dos líderes envolvidos.
O mundo, em suspense, vislumbra um possível rompimento da estabilidade conquistada desde o encerramento da guerra fria e torce para que as negociações levem a um porto protegido dos ventos.
Ontem (21/02/22), uma “tropa de paz” com bandeira russa ocupou os territórios separatistas a leste da Ucrânia. Putin se dará por satisfeito?
Mesmo alertado por analistas internacionais, o governo brasileiro se inseriu tangencialmente nesse conflito diplomático, econômico e militar.
Algumas declarações foram inadequadas ao momento e ao local. Cada palavra, vírgula e entonação precisa ser sopesada. Não se fala de improviso, se lê comunicado.
Semanas antes, os líderes da Rússia e da China tiveram um encontro bilateral histórico no qual declararam apoio mútuo contra eventuais investidas do ocidente às duas potências.
Esse evento foi avaliado pelo governo antes da viagem a Moscou? Queremos a amizade da Rússia, mas rechaçamos ideologicamente as relações com a China. Como equilibrar-se nesta gangorra?
Qual a diretiva do chefe de Estado brasileiro para a sua diplomacia? O que temos a ver com as desavenças das estepes russas? Com quais potências estamos alinhados? Elas virão em socorro caso os gregos nos ataquem? Temos liberdade de ação para desconsiderar as verdadeiras potências?
Nós perdemos consistência no palco das nações quando alteramos, ao sabor da vontade de um grupo sem conhecimento de relações internacionais, a postura da política externa brasileira que sempre foi reconhecida e pragmática. E, mais uma vez, o Itamaraty tenta, mas não faz milagre.
Como resultado, deixamos de ser ouvidos e assumimos um papel de pária internacional. Não há orgulho em ser depreciado diante do mundo atento aos processos multilaterais das nações.
A não ser que as declarações e as guinadas de alinhamento sejam por interesses tão somente eleitoreiros. Quando então tudo vale. Nesse caso, aceitemos continuar sendo um hilota (escravo de Esparta que trabalhava na agricultura) sem voz na Ágora moderna.
Paz e bem!