De olho na eleição de outubro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu acenar à sua base eleitoral mais fiel e resgatar promessas que simbolizaram sua campanha em 2018, mas que não saíram do papel nos três primeiros anos de mandato.
Em 9 de fevereiro, o governo apresentou ao Congresso Nacional uma lista com 45 projetos de lei considerados prioritários para aprovação em 2022. Boa parte dessas propostas conquistou o eleitorado conservador em 2018, mas não avançou na Câmara e no Senado depois que Bolsonaro assumiu a presidência.
A maior parte dos 45 projetos versa sobre segurança pública, sua principal bandeira de campanha há quatro anos. Mas Bolsonaro também resgata promessas de 2018 que agradam o mercado financeiro e o eleitor evangélico, também caro ao presidente.
“Esses projetos não avançaram nos primeiros anos porque o Rodrigo Maia (sem partido) era o presidente da Câmara e contrário às pautas de costumes”, diz Eduardo Grin, cientista político da FGV (Fundação Getúlio Vargas) São Paulo.
“Ao entrar o Athur Lira (PP-AL) [na presidência da Câmara] em 2021, o espaço dessa agenda aumentou, mas o centrão é hábil para entender que alguns temas geram desgaste”, disse, referindo-se ao grupo de partidos que dá sustentação ao governo federal.
Conheça cinco promessas antigas que viraram prioridade em ano eleitoral:
1 – Redução da maioridade penal
O que Bolsonaro prometeu?
Bolsonaro tratou da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em seu programa de governo registrado em 2018 no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
“Vamos nos empenhar junto ao parlamento para reduzir a maioridade penal”, repetiu a promessa em 5 de outubro em entrevista à rádio CBN. Ele voltou ao tema nos dias 8, 9 e 12 daquele mês, quando sugeriu reduzir a maioridade para 17, e não mais 16 anos.
“Se você botar 16, você pode não aprovar”, afirmou em entrevista à Band. “A nossa proposta é passar para 17, e o futuro governo passa para 16. Vai devagar que você chega lá.”
Como está o projeto?
Bolsonaro aposta suas fichas na aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 115, protocolada no Senado ainda em 2015. O texto chegou à CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) em dezembro de 2018, com Bolsonaro já eleito.
Em fevereiro do ano seguinte o texto ganhou relator, o senador Marcelo Castro (MDB-PI). Em maio, passou por audiência pública, mas empacou em dezembro, quando Castro deixou a comissão. Desde então, o projeto aguarda a escolha de novo relator.
2 – Proteção a policial que mata em serviço
O que Bolsonaro prometeu?
A possibilidade de reduzir ou isentar policiais que matam em serviço foi uma das bandeiras de campanha de Bolsonaro, que em 2017, já pré-candidato, afirmou sobre o chamado excludente de ilicitude: “Alguns falam: ‘Você quer dar autorização para o policial matar? Quero, sim’.”
Já em campanha no ano seguinte, disse em agosto que “nós temos que ter uma retaguarda jurídica”.
“Se estamos em guerra, os dois lados podem atirar, e não apenas um lado. Quando é que se busca solução para isso daí? Se chama excludente de ilicitude, existe em muitos estados norte-americanos. O elemento, ao ser flagrado portando uma arma de forma ostensiva, o lado de cá pode atirar primeiro sem problema nenhum”, afirmou.
No dia seguinte, votou ao tema:
Invadiu, não interessa se a propriedade é urbana ou rural, você armado, fogo neles, com excludente de ilicitude, com retaguarda jurídica. Afinal de contas, a propriedade privada é um dos pilares da democracia.”
Jair Bolsonaro em 2018
Como está o projeto?
O excludente de ilicitude, ou “retaguarda jurídica”, como definiu o presidente, entrou no pacote anticrime do então ministro Sergio Moro (Justiça), mas o tema acabou fora da versão final do texto, aprovado em dezembro de 2019.
Ao prever que o excludente sairia do texto do ex-juiz, Bolsonaro incluiu o dispositivo em um projeto de lei sobre operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) em novembro daquele ano.
A ideia era que os policiais que cometessem excessos nessas ações fossem representados pela AGU (Advocacia-Geral da União). O projeto 6125/2019 foi apresentado à Câmara pelo Executivo em 21 de novembro, mas está parado desde então.
A aposta agora é uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), ainda em formulação, que “visa conferir maior amparo jurídico aos integrantes dos órgãos de que trata o art. 144 da Constituição”.
3 – Flexibilização da posse de arma
O que Bolsonaro prometeu?
As promessas de campanha para flexibilização da posse de arma eram abrangentes. Em setembro de 2018, Bolsonaro disse que desejava “dar posse de arma de fogo para o cidadão de bem, o porte, obviamente, com algum critério”.
Pretendo sim, no que depender de mim, pois isso passa pelo Parlamento, fazer com que todo cidadão de bem, homem ou mulher, caso queiram ter uma arma dentro de casa, cumprindo alguns critérios, possam tê-la. Quanto ao porte, ele não pode ser tão rígido como temos no momento.”
Bolsonaro, em entrevista à Rede TV em outubro de 2018
Com o tempo, o discurso mudou um pouco. “[Dizem] que eu vou distribuir armas para toda a população. Não é verdade”, afirmou em live no Facebook em 24 de outubro.
Como está o projeto?
Depois de aprovar decretos contestados na Justiça liberando armas a caçadores, atiradores e colecionadores, Bolsonaro agora quer aprovar o PL 6438/19, que autoriza o porte de armas a guardas municipais, agentes socioeducativos, auditores agropecuários, peritos criminais, agentes de trânsito, oficiais de justiça, fiscais ambientais, defensores e advogados públicos.
Apresentado pelo Executivo em dezembro de 2019, o PL foi logo distribuído a diversas comissões, como a de Segurança Pública, e CCJ, onde aguarda votação.
O projeto nasceu como parte do acordo que aprovou na Câmara o porte de armas aos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), mas adiou a análise de temas mais polêmicos, como o porte para essas categorias.
Enquanto isso, a proposta para liberar o porte aos CACs está parada no Senado, que pode alterá-la antes de devolver para votação definitiva na Câmara.
Em razão da demora, Bolsonaro chegou a editar a regulamentação do porte a essas categorias por meio de decretos, que agora são avaliados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) após terem sido contestados pela oposição.
Em setembro do ano passado, o ministro Kassio Nunes Marques pediu vista (mais tempo para analisar) quando o placar já estava três a zero pela suspensão dos decretos —que já foram alvo de decisões liminares dos ministros Edson Fachin e Rosa Weber.
4 – Fim das saídas temporárias a detentos
O que Bolsonaro prometeu?
As saídas temporárias só são permitidas no Brasil aos presos que cumpriram um sexto da pena, tenham bom comportamento e já estejam em regime semiaberto.
Eles podem visitar a família, estudar ou participar de atividades que “concorram para o retorno ao convívio social”, como Natal, Ano Novo, Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais e Finados.
Para o então candidato Bolsonaro, “tem que acabar com os saidões”.
“Uma pena, uma vez dada ao elemento marginal, ele tem que cumprir aquela pena de forma integral”, afirmou em agosto de 2018. Ele retomou o assunto em 24 e 28 de setembro.
Em 13 de outubro daquele ano, disse ser necessário “mostrar para o ser humano que, se ele cometer um crime, ele vai pagar”.
No que depender de mim também e do Parlamento, obviamente, não teremos progressão de pena, muito menos ‘saidões’.”
Jair Bolsonaro, então candidato a presidente
Como está o projeto?
O governo deseja aprovar o projeto 360/21, que “muda a Lei de Execuções Penais, para excluir a possibilidade de concessão de saída temporária a quem está preso”.
O texto acabou apensado (juntado) a outros três projetos semelhantes, que agora tramitam em conjunto. O mais antigo deles, o PL 6579/2013, aguarda desde agosto do ano passado parecer de seu relator na CCJ, o deputado Delegado Pablo (PSL-AM).
5 – Privatização dos Correios
O que Bolsonaro prometeu?
Bolsonaro conquistou a simpatia do mercado financeiro na campanha ao prometer entregar as chaves do Ministério da Economia (então Fazenda) ao liberal Paulo Guedes.
O tema entrou na eleição de 2018, quando Bolsonaro incluiu os Correios no pacote de privatizações prometidas por ele na campanha.
Os Correios têm grande chance de entrar, sim, até porque o seu fundo de pensão foi simplesmente implodido pela administração petista. Hoje, os Correios têm muitas reclamações, diferentemente do passado.”
Jair Bolsonaro, em entrevista à Band
Como está o projeto?
O governo precisa primeiro do aval do Congresso para que serviços postais no Brasil sejam explorados pela iniciativa privada.
O projeto 591/21, apresentado pelo Executivo em fevereiro do ano passado, tramitou rápido na Câmara, onde foi aprovado em sessão virtual em agosto.
Desde então, o texto está parado no Senado, onde a oposição a Bolsonaro é maior. O governo precisa aprovar o projeto na Casa para que ele volte à Câmara para ser novamente ratificado antes de ser enviado para sanção presidencial.
De olho no segundo turno
Bolsonaro também retoma outras promessas polêmicas de campanha, como o Contrato Verde e Amarelo —opção de contratação de trabalhadores com menos direitos trabalhistas— e a proibição da progressão continuada na escola, “expurgando a ideologia do [educador] Paulo Freire”, em suas palavras.
Ele também mira o eleitor evangélico ao reforçar apoio a projetos apresentados em começo de mandato que também empacaram, como tornar a pedofilia crime hediondo e regulamentar o ensino domiciliar (homeschooling).
Para Grin, professor da FVG, o reforço a esses projetos em ano eleitoral “é importantíssimo para o cálculo político de Bolsonaro”.
“Como não tem o que apresentar sobre inflação, pandemia, economia e meio ambiente, ele precisa radicalizar o discurso para se aproximar dessa base de eleitores mais conservadora”, diz. “É com isso que ele contra para juntar votos e chegar ao segundo turno.”
Ele precisa mostrar a seu eleitorado que o sistema o impediu de governar, mas que vai fazer no segundo mandato.”
Eduardo Grin, cientista político
Vera Chaia, professora de ciência política da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, diz que será “difícil” aprovar em 2022 seus 45 projetos prioritários justamente por se tratar de ano eleitoral.
“É um período em que os políticos estão envolvidos com suas campanhas em seus estados. É difícil mobilizar o Congresso para temas como esses num momento de eleição”, diz.
Ela afirma que parte dos projetos busca reforçar a pauta de segurança pública por se tratar de sua principal bandeira.
“É uma base que ele precisa sustentar para chegar ao segundo turno”, diz. “Em princípio, o porte de arma não deveria ser importante para a base evangélica, mas uma parcela dela é favorável a propostas como essa.”
Se não conseguir aprovar os projetos este ano, ele vai culpar setores do Congresso ligados à oposição. Vai culpar a imprensa, as ONGs e os setores que ele sempre culpou quando não conseguiu alguma coisa.”
Vera Chaia, cientista política
O UOL procurou a assessoria do Palácio do Planalto, mas não obteve retorno. Se houver, esta reportagem será atualizada.