Alvo de uma profunda desconfiança internacional, Jair Bolsonaro descobriu nesta semana que seus atos têm consequências. Ao tomar a decisão de manter sua viagem para a Rússia, o presidente brasileiro se viu encurralado. Bolsonaro paga, no fundo, um preço elevado de três anos de destruição de uma das instituições mais sólida da República, o Itamaraty.
Mas nada acontece por acaso, muito menos na diplomacia. Durante a eleição nos EUA, Bolsonaro criticou abertamente Joe Biden, apostando que seu maior aliado – Donald Trump – conseguiria um novo mandato.
Quando os resultados da eleição foram anunciados, ele foi um dos últimos líderes no mundo a parabenizar o novo presidente americano. Por semanas, repetiu a mentira da extrema-direita de que as eleições tinham sido fraudadas, sem jamais apresentar provas.
Diante da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, seu então chanceler, Ernesto Araújo, mandou sinais dúbios, abrindo uma ofensiva de críticas de senadores e deputados americanos. Sequestrados por membros da extrema-direita que passaram a ditar os rumos da política externa do país, muitos dentro do Itamaraty sabiam que as escolhas do presidente e seus assessores mirins seriam desastrosas.
Biden, assim que assumiu, desmontou a aliança que existia com o Brasil em temas de direitos humanos e da defesa de uma agenda cujo objetivo era frear qualquer ampliação de direitos de mulheres e da comunidade LGBT.
Apesar de proliferar ligações para líderes em todo o mundo, Biden solenemente ignorou Bolsonaro. Num certo momento, ao ser questionado por jornalistas se iria telefonar para o presidente brasileiro, ele apenas riu. Uma risada de deboche.
O americano ainda se ausentou de um evento sobre mudanças climáticas convocado por ele, justamente quando Bolsonaro iria tomar a palavra para discursar.
Incomodado com o isolamento esplêndido que se colocou, o brasileiro tentou uma reaproximação. O esforço do Itamaraty tampouco funcionou e, num gesto típico de uma criança mimada, ameaçou ir buscar outros amigos.
Com a Europa, não foi diferente. Emmanuel Macron, na França, se transformou no principal foco de críticas do Palácio do Planalto, por ser um opositor ao acordo entre Mercosul e União Europeia. Para atingir o francês, o brasileiro optou por humilhá-lo.
No melhor estilo da diplomacia olavista, ofendeu sua esposa e esnobou o chanceler francês em Brasília. Cancelou uma reunião de último minuto e optou por ir cortar o cabelo. Paris jamais esqueceu de como foi tratada por Bolsonaro.
O autoproclamado país da diplomacia moderna respondeu meses depois ao receber no Palácio do Eliseu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de festejar o cacique Raoní.
Com as portas fechadas pela Europa, Bolsonaro tentou um encontro com Boris Johnson, na esperança de mostrar aos seus adeptos que não estava isolado no mundo. Londres, diplomaticamente, mandou dizer que não abriria suas portas ao brasileiro.
Restaram apenas os párias, os autoritários, os comunistas, aqueles que fazem antagonismo ao Ocidente ou nações irrelevantes.
Em novembro de 2021, durante a Cúpula do G20, o aspecto tóxico de Bolsonaro ficou claro. Isolado em uma sala, não conseguia sequer espaço para entrar nas rodinhas onde estavam os demais líderes.
Presenciei como, num outro canto da sala, uma liderança internacional dizia como “os brasileiros tinham um problema” com um trecho da declaração final da cúpula. Neste momento, ela foi interrompida por outro líder que, em tom de ironia, disse: “eles têm vários outros problemas”.
Na esperança de mostrar à sua base mais radical que ainda conta no mundo, Bolsonaro conseguiu ser recebido por Vladimir Putin, que justamente opera para dividir o Ocidente, e pela insignificante Hungria.
Moscou foi destino de todos os ex-presidentes brasileiros, de esquerda e direita. Mas o momento era delicado e a viagem considerada como sendo de “alto risco”.
Bolsonaro passou a ser pressionado para não realizar a viagem. Mas, para mostrar aos americanos que ele não se curvaria a Biden, manteve a missão. Aceitou todos os protocolos diplomáticos e sanitários impostos pelos russos, mesmo que isso significasse um golpe contra tudo o que ele sempre denunciou no Brasil: máscara, teste, isolamento e até o soldado comunista.
Toda a agenda anti-Maduro e anti-Cuba também desapareceu diante de um dos maiores patrocinadores dos regimes latino-americanos de esquerda.
Mas, ao embarcar, ele já vivia uma situação na qual não havia saída. Encurralado, seria criticado por ceder aos americanos se não viajasse. Se fosse, não seria poupado se demonstrasse qualquer simpatia à causa russa.
E bastou o que todos sabiam que iria acontecer – um deslize – para que a ocasião fosse usada por americanos para bater a cara na porta do brasileiro e dar o troco por seu comportamento de questionamento à democracia nos EUA.
Numa declaração na sexta-feira, a Casa Branca criticou abertamente a viagem de Bolsonaro, um gesto raro na história entre os dois maiores países do Hemisfério Ocidental. Verdade ou não, justa ou não, a realidade é que o governo americano decidiu que a relação com Bolsonaro tinha chegado a um limite.
Numa nota neste sábado, Itamaraty retrucou e disse que não era verdade que Bolsonaro tomou lado no conflito. E criticou Washington, acusando o comentário americano de não ser “construtivo”. “Bolsonaro, depois de atacar Biden por meses, agora reclama que o outro lado não foi construtivo? O que ele esperava?”, questionou uma fonte diplomática.
Amador, despreparado e com uma base ideológica que norteia suas ações, o presidente colocou a diplomacia do país em seu momento mais vergonhoso. Paga caro por seus atos. Mas quem sai derrota é um país que, hoje, perdeu seu lugar no mundo.