Todos os anos, à medida que as emissões de CO2 e a produção de plástico continuam a aumentar, são anunciados com pompa objetivos que todos sabem ser inatingíveis. A meta abrangente da Cúpula de Paris de 2015 era manter “o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais” e buscar esforços “para limitar o aumento da temperatura a 1,5° acima dos níveis pré-industriais”, exigindo que as emissões de gases de efeito estufa “atinjam o pico antes de 2025, no máximo, e diminuam 43% até 2030”.
Esses comunicados se assemelham a uma carta ao Papai Noel, desejos infantis de que os presentes caiam do céu ou pela chaminé. Só que aqui os governos de todo o mundo estão escrevendo cartas de Natal para si mesmos. A Organização Meteorológica Mundial anunciou em maio que há 66% de chance de que o aumento de temperatura de 1,5° seja atingido antes de 2027. No entanto, a mesma organização sustenta que, já em 2022, o planeta estava 1,15 ± 0,13° mais quente do que a média pré-industrial, tornando os últimos oito anos os mais quentes já registrados. Que entre 2020 e 2021 o aumento da concentração de metano na atmosfera foi o maior desde que existem medições (o metano é muito mais prejudicial do que o dióxido de carbono para o efeito estufa). Que a taxa de elevação do nível dos oceanos dobrou entre as décadas de 1993-2002 e 2013-2022. Que a acidificação dos oceanos está se acelerando. E assim por diante.
No entanto, a crise ambiental é tratada como uma ameaça futura, apesar dos avisos que emanam de veículos tão próximos das corporações poluidoras quanto o Financial Times, que informa severamente aos seus leitores que estamos lidando com “uma realidade presente”. O planeta já está se tornando inabitável. Como um conhecido brincou comigo recentemente, “não se pode viver trancado em uma geladeira”. No entanto, a cidade que mais cresce nos EUA é Phoenix, onde neste verão a temperatura ultrapassou os 40° por mais de um mês, forçando as pessoas a depender constantemente do ar condicionado (o que acelera ainda mais o aquecimento global).
Inspirados, talvez, por Ionesco e Beckett, os líderes mundiais de hoje inventaram uma política do absurdo. Para se ter uma ideia da situação, basta comparar a atenção, a mobilização ideológica e os recursos dedicados à guerra na Ucrânia com os dedicados à crise ambiental. A diferença é que, enquanto a guerra coloca em risco a vida de 43,8 milhões de pessoas e afeta diretamente outros 9 milhões que vivem nos territórios em disputa, a crise ambiental coloca em risco a vida de bilhões de pessoas, condena outros bilhões à pobreza e à fome e já forçou a migração de 30 milhões de pessoas por ano, com algumas previsões que apontam para 1,2 bilhão de refugiados climáticos até 2050. Enquanto isso, a Rússia e a Otan gastam centenas de bilhões em armas, enquanto a guerra aumenta os preços das commodities e os déficits governamentais. Se apenas um décimo desses valores fosse dedicado à crise ambiental, o efeito seria revolucionário.
Isso nos dá uma noção clara de quão alto o meio ambiente está nas prioridades de nossos governantes. De uma certa perspectiva, os senhores da Terra se comportam em relação à natureza como os EUA se comportam em relação à Rússia: travando uma guerra contra ela sem uma declaração direta. Eles tratam o planeta como invasores que saqueiam cidades, queimando tudo até o chão. Por que tanta obstinação por parte de nossa “aristocracia cognitiva”? Por que eles têm raiva do nosso planeta? Não é como se eles pudessem imitar os saqueadores que, depois de saquear uma cidade, podiam passar para a próxima. Por mais que alardeiem sua mítica indústria espacial, eles não poderão emigrar para um novo planeta depois de tornar este inabitável. Pura imprudência, talvez? Uma imersão completa no presente que elimina qualquer pensamento sobre o amanhã? Egoísmo sem limites? A síndrome do escorpião, para quem a Terra faz o papel do sapo? Ou é simples covardia, uma falta de coragem para enfrentar o problema?
Talvez uma pista tenha sido fornecida recentemente pelo próprio inefável Macron, quando ele falou sobre a violência que eclodiu no final de junho entre os jovens franceses – em sua maioria filhos de imigrantes que vivem nos banlieues [subúrbios] – desencadeada pelo assassinato de um jovem pela polícia. A solução, de acordo com Macron, era simples: “ordem, ordem, ordem”. A “autoridade deve ser restaurada” porque a violência depende, em última análise, de um “déficit parental”. “A maioria esmagadora” dos manifestantes, explicou ele, “tem uma estrutura familiar frágil, seja porque vem de uma família monoparental ou porque sua família está recebendo auxílio para sustentar os filhos”. Em resumo, a culpa é das mães solteiras (que supostamente têm uma moral frouxa), que não conseguiram incutir os valores da etiqueta civil em seus filhos turbulentos. Em outras palavras, os jovens dos banlieues são violentos porque são filhos das… E pensar que não tínhamos percebido! Talvez as elites exerçam tanta violência no planeta porque, sem nunca admitir, elas também são filhos das…
(*) Marco D’Eramo é jornalista e teórico social italiano.
(*) Tradução de Pedro Marin.