Em 2011, a cidade também foi atingida por um forte temporal, resultando em um dos maiores desastres ambientais do Brasil
Os efeitos das fortes chuvas em Petrópolis, no Rio de Janeiro, poderiam ter sido evitados ou pelo menos mitigados se tivessem sido adotadas medidas de proteção após a de 2011, afirmam especialistas. Naquele ano, a cidade também foi atingida por um forte temporal, resultando em um dos maiores desastres ambientais do Brasil.
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Prefeitura de Petrópolis para entender quais ações tinham sido tomadas para evitar novas catástrofes de 2011 para cá, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Para Anderson Kazuo Nakano, arquiteto urbanista e professor do Instituto das Cidades da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o poder público já tinha à disposição materiais que indicavam ações que poderiam ser tomadas a fim de evitar novas catástrofes.
“Tem um acúmulo gigantesco de subsídios para solucionar os problemas e nesses últimos dez anos você poderia ter implementado”, afirma.
Nakano menciona o Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRN), lançado em 2017. Segundo informações oficiais do site da Prefeitura de Petrópolis, o documento trazia um “levantamento completo das áreas de riscos do município e das ações para mitigação de desastres”.
A falta de aplicação de recomendações técnicas faz com que situações como a de Petrópolis voltem a acontecer, ocasionando mortes que poderiam ser evitadas, diz Álvaro Rodrigues dos Santos, geólogo e ex-diretor de planejamento e gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas).
“Os efeitos das fortes chuvas ocorridas seriam imensamente minimizados [com adoção de medidas de proteção]. As mortes ocorridas poderiam ter sido, senão todas, em sua grande maioria evitadas”, afirma.
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Segundo ele, há uma “resistência das administrações públicas em implementar as determinações e recomendações produzidas pelo meio técnico nacional”.
Evitar a ocupação de áreas de risco é uma das ações essenciais para que não ocorram desastres em casos de fortes chuvas.
Existe um instrumento chamado Carta Geotécnica que instrui quais regiões não podem ser ocupadas e outras que até podem ter ocupações quando observadas recomendações –segundo Santos, essa é uma das ações que poderia ter sido adotada de 2011 para cá.
Para regiões em que já existem habitações, como em parte da região serrana do Rio de Janeiro, algumas ações podem ser tomadas.
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Nakano afirma que uma das primeiras atividades é monitorar os níveis de riscos das regiões: baixo, médio ou alto. “Aqueles lugares que estão em situações mais críticas […], você tem que pensar em realocar, mas tem que envolver os moradores. Não é simplesmente chegar lá e falar ‘olha, a gente vai tirar você daqui e tchau’.”
Além da realocação, que deve ser considerada em casos emergenciais, poderiam ter sido executadas obras de infraestrutura que reduzem os perigos. Um tipo comum são os muros de arrimo, que servem como instrumento de contenção.
Professor do programa de pós-graduação em geotecnia da UnB (Universidade de Brasília), Newton Moreira afirma que uma das imagens que ele observou dos deslizamentos em Petrópolis foi a de uma casa que contava com um muro desse tipo.
“Não pode ser um muro de tijolo, tem que ser muro que esteja bem ancorado no terreno e que tenha uma capacidade de resistir ao impacto dessa massa”, explica.
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Moreira afirma ainda ser necessário desenvolver um plano mais adequado de conscientização e informação para a população. Em situações que exigem evacuações, por exemplo, é importante ter definido pontos como rotas de fugas, espaço seguro para deslocamento e tempo que a população tem para se locomover.
O engenheiro cita a cidade de Fukushima, no Japão, que foi fortemente atingida por um tsunami em 2011. “Havia cidades com plano de contingência em que basicamente não morreu ninguém, e outras em que não tinha plano de contingência, e a população se deslocou justamente para as áreas mais perigosas.”
As aplicações de medidas como essas já tiveram comprovação de sua eficácia no Brasil. Santos cita o caso de São Vicente e Santos, no litoral paulista.
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Segundo ele, as cidades sofriam com “muitos deslizamentos com centenas de mortes”. Houve então a elaboração de uma Carta Geotécnica pelo IPT e sua implementação na região.
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“Várias gestões municipais das duas cidades assumiram a plena responsabilidade da aplicação da Carta, com efetiva participação da comunidade local, com o que foi alcançada uma notável redução de acidentes”, afirma Moreira.
No caso de Petrópolis, algumas ações já tinham sido tomadas após 2011, como a instalação de sirenes para alertar a população de riscos de desastres. É o que afirma José Marengo, coordenador geral de pesquisa e desenvolvimento do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). Para ele, além de adotar medidas de proteção, é importante agir junto com a população.
“Às vezes, a sirene disparava e a população saía em pânico, mas não acontecia nada. Então, quando a sirene já começou a disparar, a pessoa ficava ‘ah, não é nada’. Algo que temos que mudar é a percepção das pessoas sobre desastres naturais”, diz.
Por isso, Marengo entende que não é somente a implementação de um sistema de previsão e alerta de catástrofes que pode diminuir situações como a da cidade fluminense. Para ele, poder público e população precisam agir em conjunto, sobretudo para evitar que haja ocupações em locais de risco.
“Uma coisa que sempre se discute […] é que, na parte climática, você pode ter a melhor previsão do mundo, com o melhor modelo, com os melhores especialistas, mas não adianta a previsão ser perfeita se a população continua morando em áreas de risco.”