Quem tem medo do professor doutrinador? – 18/07/2023 – Wilson Gomes

Fábulas são eficientes recursos pedagógicos. Fábulas infantis foram usadas desde sempre para que toda noite as crianças assimilem valores, representações e significados compartilhados em sua comunidade.

E tão cientes estamos de que se educa por meio de mitos, relatos e lendas mais do que por qualquer outro meio, que até os textos sagrados mais arcaicos, transmitidos oralmente ou por escrituras, são em grande parte coleções de histórias.

Há vários lugares-comuns nas histórias que contamos. Um desses lugares-comuns diz respeito aos personagens usados para se colocar os ouvintes exatamente na posição cognitiva e na disposição emocional que o narrador deseja.

O bicho-papão, por exemplo, representa o que nos assombra e deve ser temido, a condensação do mal. O sedutor —que, literalmente, nos desvia do caminho— é outro lugar-comum das fábulas moralizantes. Não por nos assombrar, mas, ao contrário, porque captura nosso desejo, como o lobo mau que desencaminhou a menina do chapeuzinho vermelho e a levou sorrateiramente à floresta sombria.

A política é também uma arte narrativa, pois depende da conquista de corações e mentes, e de histórias emocionantes e plausíveis que são o meio mais curto e eficiente para a realização dessa tarefa.

Novos movimentos políticos não se estabelecem sem capturar a imaginação de uma parte importante da sociedade, sem novas mitologias políticas que redesenhem valores e virtudes, sem uma nova épica.

Na semana passada, flagramos um dos roteiristas desses novos movimentos, Eduardo Bolsonaro, enquanto vendia a sua história para —vejam só— lobistas de armas.

“Prestem atenção na educação dos filhos. Tirem um tempo para ver o que eles estão aprendendo nas escolas e não vai ter espaço para professor doutrinador tentar sequestrar nossas crianças. Não tem diferença de um professor doutrinador para um traficante de drogas que tenta sequestrar e levar os nossos filhos para o mundo do crime. Talvez até o professor doutrinador seja ainda pior.”

O professor doutrinador é personagem frequente nessa forma de fabulação que são os boatos que os ultraconservadores contam e em que acreditam. Assim como o gay pedófilo, o liberal cristofóbico, o esquerdista que induz criancinhas à homossexualidade, a pessoa trans que se esgueira em banheiros unissex para espiar mulheres, o sinistro comunista, dentre outros tantos tipos extravagantes que povoam as suas histórias de terror moral, o professor doutrinador, basicamente, serve para assombrar.

Aliás, o grande mérito da extrema direita no período da sua ascensão foi a sua capacidade de identificar os estratos de medo e de raiva dos brasileiros e de extrair deles o combustível para a sua boataria.

Na doutrina por trás da fábula, o professor doutrinador é um bicho-papão e um lobo mau. Ele sequestra e alicia criancinhas, mas é, também, a soma de todos os nossos medos, uma vez que a sua maldade consegue alcançar até mesmo a dimensão mais preciosa e protegido da nossa vida particular: nossos filhinhos.

Depois de identificar o mal e de isolá-lo em um grupo, os professores, duas ações precisam ser tomadas. A primeira é uma clivagem moral, pela qual nos separamos dos que participam ou são cúmplices da maldade, no caso, a esquerda progressista, classe a que os docentes pertenceriam.

Com isso, os virtuosos conservadores reivindicam sua superioridade moral ante o vício e a malignidade dos que profanam a infância. A segunda ação requerida depois de isolar a maldade consiste em projetá-la sobre quem pode ser materialmente punido: o bode expiatório.

Lugares-comuns dizem muito sobre as sociedades e os grupos em que prosperam, pois costumam expressar e, ao mesmo tempo, reforçar, determinados sentimentos subjacentes aos coletivos, como hostilidade, esperanças ou temor.

A distribuição proporcional do tipo de personagem tende a indicar qual é a moral dominante em um grupo: excesso de confiança e otimismo dão margem a personagens de sonhos dourados; desespero social e moral em baixa são povoados por personagens de pesadelos: bichos-papões, lobos maus e bodes para a conveniente expiação coletiva.

Não sei quantos creem nas fábulas que o bolsonarismo conta para assombrar e organizar a raiva, a ansiedade e a frustração das massas ultraconservadoras a que se dirigem. Só sei que os seus roteiristas e dramaturgos suam a camisa várias vezes todos os dias para, como diria Carluxo, disputar a narrativa. E vender assombrações.


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