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Méritos de Castillero

O artigo de Alfredo Castillero tem ainda um mérito que talvez ele mesmo não imagine: pôr em relevo a escassez do tipo de reflexões em sobre o processo histórico em nossa terra.[3] Nesta reflexão, de um ponto de vista próximo ao seu, cabe dizer que estudamos o passado no claro-escuro das preocupações e dos temores que nos inspira o futuro. Alguns o fazem para fomentar a resistência à mudança; outros, para explorar nossas opções de futuro, e não falta quem se some àqueles afazeres tautológicos, de sustentação puramente ideológica, como o neoliberalismo à la Fukuyama, ou o velho marxismo soviético.

Esta proximidade inclui o apreço pela obra de historiador de Fernand Braudel, enriquecida por sua fecunda relação com o sociólogo Immanuel Wallerstein, que considerou o sistema mundial como síntese maior das determinações que constituem objeto de estudo da história moderna. O estudo deste objeto levou Braudel a elaborar a diferença entre os mercados-mundo do passado e o mercado mundial cujo desenvolvimento definiu as múltiplas camadas de nosso presente.

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Foi desta perspectiva que veio a renovar-se o interesse pela obra de Marx. Duas coisas sobressaem nesta obra à luz do que sabemos hoje. Uma, que o parágrafo em que sintetiza sua visão da história, no Prólogo de sua Contribuição à Crítica da Economia Política de 1859, é o que diz ser: a síntese em 600 palavras de um estado de conhecimento que continuaria enriquecendo-se e diversificando-se na obra futura do autor.[4] Outra, a importância de suas observações sobre a estrutura múltipla das sociedades que convivem no moderno sistema mundial, a partir da categoria de formação econômico-social que utiliza em suas notas preparatórias para a elaboração do Capital, onde adverte que

Em todas as formas de sociedade existe uma determinada produção que atribui a todas as outras seu correspondente nível [e] influência, e cujas relações portanto atribuem a todas as outras o nível e a influência. É uma iluminação geral em que se banham todas as cores e [que] modifica as particularidades destas. É como um éter particular que determina o peso específico de todas as formas de existência que ali ganham relevo. [5]

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Em nosso caso, esta observação foi especialmente útil na análise do transitivismo como forma histórica de inserção do Panamá no moderno sistema mundial a partir do século XVI, que Castillero abordou – talvez sem conhecer o que disse Marx – em um artigo inspirador publicado em 1973 sobre o transitivismo, e elaborou depois no que se refere a nosso papel no desenvolvimento do mercado mundial.[6]

De outra perspectiva, nesta análise abrem-se novas possibilidades para um debate sobre o tema da globalização, ainda pendente no Panamá.[7] Foi dito que uma das funções da ideologia – no mau sentido – consiste em naturalizar as realidades históricas. Isto veio ocorrendo com a função do termo criado / adotado para referir-se ao processo em que transcorre atualmente o desenvolvimento do mercado mundial, cujo uso vulgar desemboca em uma tautologia: chegamos aonde íamos, e adiante tudo vai melhorar, apesar de tudo.

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Desde Braudel, no entanto, aquilo a que nos referimos é um processo que se inicia com aquele século XVI “longo” que corre entre 1450 e 1650. Ali forma-se o primeiro mercado mundial na história da humanidade, assumindo como primeira forma de organização a de um sistema colonial, cuja existência se prolongará até a Grande Guerra de 1914-1945. A partir dali, este sistema colonial se viu transformado em internacional – interestatal, na realidade – a partir da independência das antigas possessões coloniais.

Este sistema internacional é o que está em crise hoje, e o termo globalização designa o processo que conduz a esta crise a partir da derrocada da União Soviética, a falência política do liberalismo e o acelerado desenvolvimento econômico da região da Ásia-Pacífico. No momento, embora não saibamos onde nos levará esta crise, sabemos – ou devíamos saber –que as mentalidades próprias do sistema internacional se esgotam com crescente rapidez.

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Se excluirmos esta precisão, ocultamos de nós mesmos as opções de futuro que devemos explorar. Nesta tarefa, a contribuição de Castillero no que se refere ao papel dos fatores subjetivos no desenvolvimento histórico é de indiscutível valor. Todos estamos em dívida com o apelo que nos faz para mantê-los presentes e ativos em nosso pensar, como em nosso fazer.

Alto Boquete, Panamá, 7 de junho de 2023

Referências

[1] Cuadernos de Apuntes, No 3. Obras Completas. Editorial de Ciências Sociales, Havana, 1975. XXI, 120.

[2] “Pensar la historia: Propuestas epistemológicas” / La Prensa, 28 05 2023

[3] A esse respeito, por exemplo, Beluche, Olmedo (01 06 23) “Pensar la historia a partir de un ensayo de Alfredo Castillero C. Inédito.

[4] https://www.marxists.org/espanol/m-e/1850s/criteconpol.htm

[5] Marx, Karl (1858:14): Elementos Fundamentales para la Crítica de la Economía Política (rascunho) 1857-1858. [Grundrisse] Siglo XXI Argentina Editores. Editorial Universitaria Chile.

[6] “Transitismo y dependencia: el caso del istmo de Panamá”. 

[7] A esse respeito, por exemplo, Castillero, Alfredo (2008):   CALVO.- Los metales preciosos y la primera globalização. Panamá, Banco Nacional de Panamá, 2008.- 272 p , e  Jaén, Omar (2016): 500 años de la cuenca del Pacífico : hacia una historia global. 

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Guillermo Castro H. | Colunista na Diálogos do Sul no Panamá.
Tradução: Ana Corbisier


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