Com contribuições de Odaya e Anná, “O Fantástico Mundo Tecnopraxista – de saberes inaplicáveis” introduz o segundo EP do compositor, a ser lançado em breve
Em uma antiga entrevista, Nina Simone questionou: “Como você pode ser um artista e não refletir os tempos?”. Não é segredo que vivemos em meio a um caos social que tem nos revelado uma faceta triste da nossa vivência. Nesse cenário, cabe aos artistas ressignificar o entretenimento, fazer o ouvinte pensar e refletir sobre tudo. Essa é, prontamente, a intenção de “O Fantástico Mundo Tecnopraxista – de saberes inaplicáveis”, novo single do compositor, ator e educador andô.
A canção, que conta com as contribuições de Odaya nos arranjos e de Anná na interpretação dos brilhantes versos falados, ganha simbolismo extra ao ser lançada no dia 7 de setembro, o feriado em que se comemora a Independência do Brasil. “Traga bolos, vuvuzelas e farinhas para não ficar de fora dessa grande euforia”, ironiza a faixa, logo em seu início, como forma de nos colocar em um lugar reflexivo – papel que cumpre até o seu fim. Do ponto de vista de andô, a escolha da data é um contraponto. “A gente está vivendo uma loucura, mas dizer que é uma loucura seria um desrespeito ao manicômio. Estamos vivendo a ascensão de uma extrema direita que é perigosíssima”, destaca.
Mas não é apenas de política que esse tal “Fantástico Mundo” se trata. O tema se destrincha em várias vertentes que elucidam o ouvinte sobre o trágico caminho ao qual estamos, aos poucos, nos encaminhando. A letra esbarra, propositalmente, em temas como desigualdade social, preconceito racial, influência de redes sociais, excesso de informações e mais características dessa evidente “depressão subtropical”. Nas palavras do sociólogo Gregory Lopes Azevedo, “pode-se concordar com as afirmações da faixa e suas reflexões na medida em que as redes sociais se tornam meio de contato com a internet que impossibilita parte de uma população empobrecida e com chips pré-pagos de operadoras que firmam parcerias com Facebook e WhatsApp para acesso gratuito”.
(Capa de “Caos Pré Renascentista. Arte: Luís Só)
Com essa nova faixa, andô começa a divulgação de seu novo EP Caos Pré Renascentista, que dá sequência quase que direta ao material apresentado em Tragicomédia Tropical (2018). Construído cautelosamente da mesma forma que o corpo de uma mãe prepara seu filho para o mundo, o lançamento foge de padrões estéticos e bebe da fonte de referências múltiplas que se espalham pela história, indo desde a Tropicália até uma rica cena de cantautores da atualidade, que inclui nomes como o grupo OKKA (Paulo Monarco, Jota Erre, Dandara e Raul Misturada), Conrado Pera, Leyllah Diva Black e Barroso Eus. Contudo, vale destacar que “O Fantástico Mundo Tecnopraxista” é apenas o “abre-alas” do Caos, um convite para que o ouvinte se acomode para acompanhar o inrotulável trabalho de andô, um “neotropicalista intergaláctico”, na visão do poeta Vinícius Paes, creditado como letrista em uma das faixas do EP.
Para concretizar sua singular construção sonora, o artista fez questão de centralizar um grande trabalho colaborativo, que contou com participações de mais de 25 pessoas em 5 canções. Afinal, em momentos delicados como os que vivemos, se faz necessário demais que a classe artística se ajude. As gravações foram todas feitas à distância, para evitar aglomerações e garantir a segurança dos envolvidos. “Independência é um termo muito engraçado, porque sozinho a gente não faz nada na arte. Eu gosto de chamar de interdependente ou de independência coletiva”, comenta andô, que lembra que a cena cultural foi a primeira a ser afetada pela pandemia e provavelmente vai ser a última a voltar ao seu funcionamento pleno.
O EP, a ser lançado em breve, traz composições que nos posicionam devidamente na época que vivemos, remetendo à clara vulnerabilidade dos tempos a cada verso. “O Fantástico Mundo Tecnopraxista – de saberes inaplicáveis” é só uma amostra do compromisso social de andô, um agente de todo esse caos. Se viva, Nina Simone se sentiria contemplada.
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SOBRE ANDÔ
Fernando Chohfe Stelzer, também conhecido pelo nome artístico andô, respira cultura. Formado em Licenciatura em Música e com grande atuação nas áreas da Educação e Produção Cultural, ele se comunica com o mundo através de seu viés artístico porque entende o papel transformador que a arte tem e sempre teve. Em 2016, ajudou a erguer uma companhia de teatro, a Companhia do Estevão Maravilha, que já foi contemplada com o ProAC. Também atua como produtor cultural e produtor musical. Em 2020, andô recebeu aporte financeiro da Lei Aldir Blanc e realizou o festival virtual Mi Casa, que juntou educadores, produtores e artistas para falar sobre a cultura independente feita nos dias de hoje. O festival se desdobrou no projeto Mi Casa – Educação e Cultura, que disponibiliza oficinas gratuitas de Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.
Atualmente, ele prepara território para seu segundo projeto, intitulado Caos Pré Renascentista, que tem previsão de lançamento para 2021. O EP dá sequência ao lançamento de Tragicomédia Tropical (2018), com uma sonoridade plural e instigante. Seus vários projetos, vivos em paralelo, evidenciam a inquietude artística de andô e sua vontade de ir cada vez mais além com sua mensagem.
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