Não queremos participar um da Herança do outro quando ocorrer o falecimento. Isso é possível? – Jornal Contábil

MUITO COMUM JÁ HÁ ALGUM TEMPO – considerando a incessante “busca pela felicidade” – que as pessoas já tenham passado por mais de um casamento, ou mesmo união estável, inclusive que dessas jornadas de vida em comum tenha havido prole. Fato é que pode ser uma preocupação a vontade do casal atual em não misturar o patrimônio, seja pelo término da relação atual pelo divórcio ou pela morte de qualquer uma das partes.

Um bom pacto de regime de bens pode solucionar eventual o problema no caso de uma partilha em vida, decorrente de uma Dissolução de União Estável ou Divórcio, no caso do Casamento – todavia, quanto ao direito de concorrência hereditária oriundo do Direito Sucessório, factível com o término do Casamento ou da União Estável por conta do evento morte exigirá solução mais complexa e sofisticada.

Como sabemos, já não se admite tratamento diferenciado para fins de sucessão hereditária na União Estável e no Casamento (Temas 498 e 809 do STF). O drama maior são das pessoas que vivem em União Estável e nem se deram conta disso; elas apenas vivem juntos e deixam o tempo passar. A nossa recomendação, portanto, sempre foi, tratar e REGULAMENTAR a situação, já que a Lei impõe desde já efeitos para o relacionamento e as partes envolvidas, embora não saibam, podem regulamentar seu relacionamento através de um CONTRATO DE UNIÃO ESTÁVEL – por Escritura Pública ou por Instrumento Particular, cf. regras do art. 1.725 do CCB/2002 – e com isso obter maior segurança e prevenir muita dor de cabeça no futuro. Basta recordar que, segundo as teses firmadas nos Temas 809 e 498 do STF,

“É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”.

Seria possível, portanto, pactuar em documento escrito (seja ele Escritura Pública, seja ele Instrumento Particular) cláusula que fosse capaz de afastar do(a) atual companheiro(a) os direitos concorrenciais à herança no caso de falecimento do(a) companheiro(a) atual?

Nossa resposta é negativa e, sendo esse o caso, recomendamos ferramentas mais complexas mas que terão maior chance de não serem questionadas e anuladas judicialmente no futuro – como por exemplo todas as medidas propostas de acordo com cada caso em um bom PLANEJAMENTO PATRIMONIAL e SUCESSÓRIO  todavia, é importante salientar que por novidade do Novo Código de Normas Extrajudiciais aqui do Rio de Janeiro tornou-se possível, com ressalva, pactuar a “renúncia ao direito concorrencial”. O parágrafo 3º do art. 390 do NCN assim reza:

“§ 3º. A cláusula de renúncia ao direito concorrencial (art. 1.829, I, do CC) poderá constar do ato a pedido das partes, desde que advertidas quanto à sua controvertida eficácia”.

De fato, grandes nomes da doutrina Civil (como o ilustre professor ROLF MADALENO em sua primorosa obra “Fraude no Direito de Família e Sucessões”, de 2021) sustentam a possibilidade da pactuação antecipada da renúncia ao direito concorrencial, todavia, nos filiamos à doutrina não menos importante do também ilustre professor CONRADO PAULINO DA ROSA (Planejamento Sucessório – Teoria e Prática. 2022) para quem,

“(…) Em nosso sentir, ausente alteração legislativa, não se mostra juridicamente possível a renúncia antecipada de direitos hereditários, ainda mais em relação aos cônjuges. Isso porque, de forma bastante clara, nosso ordenamento jurídico elevou o esposo supérstite ao status de herdeiro necessário, sendo imperiosa a reserva da legítima em seu favor. Dessa forma, não se trata de direito disponível passível de renúncia entre os cônjuges”.

Leia também: Quais são os bens partilhados após o divórcio? Entenda

POR FIM, é preciso reconhecer que o permissivo normativo do Novo Código de Normas Extrajudiciais – que não é Lei mas mera normatização local – pode representar um importante avanço no sentido de prestigiar a autonomia patrimonial das partes, ainda que feito o alerta sobre controvérsia ainda existente sobre a eficácia e validade desse tipo de ajuste, como ilustra a jurisprudência do TJSP exarada pelo ilustre Professor e Desembargador, FRANCISCO LOUREIRO:

“TJSP. 1044850-53.2017.8.26.0576. J. em: 13/12/2019. REIVINDICATÓRIA. Imóvel herdado pelos autores, mas ocupado pela ré, cônjuge supérstite. Direito real de habitação do cônjuge sobrevivente. Art. 1.831 do CC. Renúncia ao direito real de habitação antes do casamento, firmado em termo particular. Nulidade absoluta por vício de forma. Renúncia a direito imobiliário e a DIREITO HEREDITÁRIO FUTURO, que exige escritura pública ou termo nos autos, a teor dos artigos e 108 e 1.806 do CC. ILICITUDE DE RENÚNCIA ANTECIPADA À HERANÇA. Violação da forma prescrita em lei, a impor nulidade absoluta conforme o art. 166, IV, do CC. O fato de a viúva ter outro imóvel, por si só, não elide o direito real de habitação. Ausência de prova cabal de que a viúva não utiliza o imóvel para moradia. Sentença reformada. Recurso provido”.

Original de Julio Martins

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