“M3GAN” é um produto perfeito. É preciso aplaudir de pé a genialidade dos produtores Jason Blum e James Wan. Essa comédia de terror e ficção científica (!) é o melhor exemplo de como conceber, embalar e vender uma ideia, usando todas as ferramentas do marketing moderno.
O rascunho veio de James Wan, que pensou em expandir o conceito da “boneca assassina” que ele trabalhou com tanto sucesso em “Annabelle”, que já era uma expansão de “Invocação do Mal”. Ao lado da roteirista Akela Cooper, com quem trabalhou em “Maligno”, Wan trocou o sobrenatural pelo medo da tecnologia e voilá!
Com as partes em mãos, “M3GAN” foi saindo do estaleiro como um quebra-cabeças. Blum e Wan convocaram Gerard Johnstone, talento neo zelandês revelado no interessante “Housebound”, para dirigir a empreitada. O visual da boneca cibernética, batendo na trave do uncanny valley, foi planejado para aproveitamento máximo em cosplays.
Quando a cena em que uma M3gan homicida dança de forma bizarra em um corredor viralizou, aí foi só partir para o abraço. Filmes de terror geralmente atraem um público jovem e fiel, e a censura branda do filme de Johnstone – um PG-13 atraente para a massa adolescente – escancarou as portas ainda mais.
Mesmo com o segundo “Avatar” voando alto, “M3GAN” já mordeu US$ 100 milhões nas bilheterias globais, multiplicando por dez seu orçamento. A continuação, batizada sem um pingo de ironia como “M3GAN 2.0”, já está agendada para 2025. De ponta a ponta do processo, a criação de Blum e Wan estava destinada a ser um produto de sucesso.
Cinema, entretanto, não são (só) números. Embaixo de todo a embalagem comercial extremamente atraente, está um filme que não se sustenta. Não existe em “M3GAN” uma ideia original. Não existe um conceito que embale os personagens, não há motivação em nenhum lugar. É um filme oco, tão fácil de gostar quanto de ser esquecido.
No centro está Gemma (Allison Williams), cientista e engenheira que desenvolve brinquedos alimentados por inteligência artificial. Em meio a uma crise profissional, vem a tragédia: um acidente toma a vida de sua irmã, e Gemma logo se vê como guardiã de sua sobrinha, Cady (Violet McGraw).
Sem a menor habilidade ou vocação para cuidar de uma criança, ainda mais uma criança que experimentou um trauma tão severo, Gemma apela para a linguagem que ela domina: a tecnologia. Ela enxerga em Cady a pessoa perfeita para testar M3gan, boneca dotada de inteligência artificial. Logo, menina e brinquedo passam a conviver como irmãs, inseparáveis, um laço reforçado pela programação da androide.
Nesse ponto, “M3GAN” segue à risca a cartilha do “perigo da tecnologia”. O conhecimento absorvido por M3gan chega sem nenhuma experiência ou responsabilidade, e logo a boneca tomará qualquer atitude, por mais violenta, para proteger “sua humana”. Quando Gemma finalmente perceber o tamanho da encrenca, o circo já estará armado para um confronto inevitável.
A essa altura, o filme está há tempos no automático. O roteiro parece um manual de instruções, com elementos casualmente jogados no primeiro ato que serão cruciais lá pelo clímax. Não que a coisa toda faça algum sentido. O descontrole de M3gan surge sem absolutamente nenhum estímulo. Quando ela passa a colecionar vítimas, é difícil que a plateia se importe, já que não há nenhum personagem desenvolvido além de estereótipos.
Exista uma sugestão de profundidade no texto, uma discussão sobre os males de nossa dependência da tecnologia e até mesmo sobre a terceirização descontrolada na criação de filhos. Qualquer entrelinha, contudo, é secundária ao humor ácido e à violência branda que embalam a trama. “M3GAN” é puro estilo e zero substância.
Ainda assim, Gerard Johnstone é um diretor extremamente competente e mantém a bola na quadra, amparado pela experiência e eficiência de Jason Blum e James Wan nos bastidores. A conclusão desavergonhada, que deixa não um, mas dois ganchos nada sutis para uma continuação, confirma a vocação de “M3GAN” como produto, não como expressão criativa. Não é nenhum pecado e funciona que é uma beleza por duas horinhas. Às vezes é o que basta.