Logo na primeira cena de “The Last of Us”, o cientista interpretado por John Hannah explica, em um programa de TV nos anos 1960, por que uma improvável infecção mundial por fungos pegaria a humanidade totalmente desprevenida de forma rápida e violenta. Quando perguntado pelo apresentador quais as consequências de um evento de tal porte, a resposta é assustadora: “Nós perderíamos”.
O prólogo acerta o tom dessa adaptação do videogame de sucesso, conduzida aqui pelo mesmo Craig Mazin que criou a devastadora minissérie “Chernobyl”. Existe um clima de desolação que, aliado à uma narrativa desenvolvida sem pressa, aos poucos vai minando quaisquer perspectivas de um final feliz. Dos anos 1960 saltamos para 2003, quando a infecção torna-se real, até assentarmos duas décadas depois, em um mundo reescrito por uma pandemia global.
“The Last of Us” é, claro, mais uma adaptação de um jogo eletrônico, um produto corporativo que se aproveita de uma pripriedade intelectual de sucesso. Seu maior triunfo é efetivamente construir uma trama envolvente usando o game como ponto de partida. A tarefa fica mais fácil porque, ao contrário da esmagadora maioria dos videogames, existe aqui material dramático que pode, de fato, ser adaptado.
Esse conforto geralmente é traduzido em uma hipérbole, tipo “até que enfim uma adaptação para quebrar a maldição de games que viram filmes/séries”. É uma bobagem, já que há bons anos a linguagem dos jogos encontrou seu caminho em outras mídias, como nos dois “Sonic” e em “Detetive Pikachu” no cinema, ou nas animações seriadas em streaming “Castlevania” e “Arcane” – essa um derivado de “League of Legends”.
A essa altura, a origem como jogo eletrônico de “The Last of Us” é irrelevante. Mazin, trabalhando com Neil Druckman, roteirista do game que aqui assina texto e produção, expande as limitações da história com ferramentas inexistentes no game: atores capazes de nuances dramáticas que vão além dos quebra-cabeças sofisticados que alavancam cada fase quando seguramos um joystick.
A contribnuição de “The Last of Us”, o game, é puramente comercial. Seu sucesso garante a atenção dos fãs da linha de frente, mesmo que essa turma geralmente perca seu tempo buscando similaridades da série com o jogo. A maior parte do público da série, contudo, são mesmo as pessoas que jamais ligaram um PS4 na vida. É para eles que “The Last of Us” reserva seu maior impacto.
Essa conexão repousa quase que totalmente nos ombros dos ótimos protagonistas da série. O primeiro é Joel Miller (Pedro Pascal, mais e mais confortável como astro), que há vinte anos deixou sua antiga vida para trás, encerrada em uma tragédia que ainda o assombra. Assim como o que restou da humanidade, em lei marcial desde a eclosão da pandemia que dizimou parte da civilização e encalusurou a outra, seu objetivo é sobreviver.
Neste novo mundo, em que cidades se apegam ao caos urbano por trás de muros e milícias, Joel cruza o caminho de Ellie (Bella Ramsey), adolescente que, de alguma forma, pode ser a chave para a salvação do planeta. A dupla improvável precisa entrar em território inóspito e cruzar os Estados Unidos, entre militares, rebeldes, bandidos e infectados, na tentativa de acender uma última fagulha de esperança.
Preste atenção que a palavra-chave aí é “infectados”. “The Last of Us” é mais uma variação do apocalipse zumbi, em que os sobreviventes precisam não só escapar da selvageria de seus pares, como também da fome infinita de mortos vivos que agora rondam um planeta em ruínas. É a mesma fórmula de “The Walking Dead”, “Resident Evil”, “Guerra Mundial Z” ou qualquer outro produto audiovisual que abrace as metáforas que os zumbis representam tão bem.
Pense em um cheesebúrguer. Todos são pão, carne e queijo. “The Last of Us”, entretanto, traz o pão mais macio, o queijo mais saboroso e o melhor blend de carne em sua receita. O retrato de um mundo distópico fica em segundo plano para o laço construido de forma relutante por Joel e Ellie. Pedro Pascal e Bella Ramsey, dois veteranos de “Game of Thrones”, tem boa química e, quando finalmente pegam a estrada, deixam claro quem eles são e o que representam. Por eles, e com eles, é que sofremos, choramos e celebramos as pequenas vitórias.
“The Last of Us” promete cobrir o primeiro jogo em sua temporada de estreia, contando com ao menos mais duas para amarrar a trama dos dois games. Quem busca uma fotocópia não vai se frustrar, mas vai passar reto pela experiência. Apesar da ambientação familiar, “The Last of Us” deposita suas fichas não no destino de seus personagens, e sim em sua jornada. “Zerar” o jogo pode ser o apogeu para quem segura o joystick. Como série, contudo, o grande barato de “The Last of Us” é saborear cada etapa do caminho.