Codevasf gasta com galpão em vez de doar cisternas – 24/12/2022 – Poder

Em resposta à revelação da Folha de que equipamentos antisseca pagos com emendas definhavam em depósitos da gestão de Jair Bolsonaro (PL) em Pernambuco, o governo decidiu construir um novo galpão de armazenamento, em vez de criar meios para acelerar as entregas à população.

No fim do ano passado, a reportagem foi a Petrolina (PE), a 713 km do Recife, e mostrou que a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) mantinha em estoque dezenas de cisternas, caixas-d’água, tratores, implementos agrícolas e tubos de irrigação comprados com recursos de emendas parlamentares.

Os equipamentos já davam sinais de desgaste com o tempo e alguns deles, como canos e reservatórios de água, estavam lá há mais de um ano, segundo relatos de moradores da região.

Eles suspeitavam que os produtos estavam sendo guardados para distribuição no ano eleitoral de 2022.

Com base na publicação do jornal, o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) pediu ao TCU (Tribunal de Contas da União) a realização de uma investigação sobre o fato.

A corte de contas abriu então uma apuração e constatou que à época da reportagem, em 2021, a regional da Codevasf em Petrolina mantinha estocados mais de 5.000 reservatórios de água. Desse total, a maior parte era de caixas d’água de 500 litros, com 3.800 unidades.

Seis meses após a publicação, em meados deste ano, o estoque ainda era alto, com 4.300 unidades, de acordo com a fiscalização do TCU.

A Codevasf informou ao Tribunal de Contas que tanto no fim de 2021 quanto em junho havia em suas dependências “apenas caixas d’água e tanques oriundos de emendas parlamentares”.

Os controles fornecidos pela estatal também indicaram 7.900 tubos de PVC armazenados em dezembro do ano passado, número que subiu para cerca de 11 mil unidades em junho.

A auditoria constatou que “os equipamentos estavam armazenados de forma precária”.

De acordo com o TCU, para corrigir essa situação, a Codevasf decidiu então construir um galpão metálico para armazenar os produtos.

O passo inicial foi contratar, sem licitação, a empresa Inoxtec Ltda. para fazer o projeto do novo depósito.

O preço só do projeto foi orçado em R$ 100 mil. O contrato recebeu um aditivo que prorrogou a entrega do trabalho para outubro.

A Folha indagou à Codevasf qual era o estoque de reservatórios de água em 30 de outubro deste ano, data do segundo turno das eleições gerais, uma vez que os moradores da região anteviam que a velocidade das entregas aumentaria em função das votações.

A estatal respondeu que no dia do turno final das eleições o estoque de reservatórios era de 2.300 unidades, ou seja, houve aceleração na distribuição dos produtos nos meses pré-eleitorais.

Nos anos de 2019 e 2020 a superintendência da Codevasf em Petrolina gastou cerca de R$ 490 milhões oriundos de emendas parlamentares.

Elas foram apresentadas por 26 congressistas da bancada pernambucana, de vários partidos de situação e oposição, de acordo com relatório fornecido pelo órgão federal à Câmara Municipal de Petrolina, por solicitação do vereador Gilmar dos Santos Pereira (PT).

Porém, quase 70% das verbas foram destinadas pelo ex-líder do governo Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Do total, pelo menos R$ 125 milhões foram endereçados pelo senador por meio das chamadas emendas do relator, de acordo com documentos do Ministério do Desenvolvimento Regional.

Segundo o relatório obtido pelo vereador, no biênio 2019/2020 a regional do órgão federal usou 28% dos recursos provenientes de emendas para compra de máquinas e equipamentos, 9% para perfuração e instalação de poços e 7% para recuperação e implantação de reservatórios hídricos, o que corresponde a um total de cerca de R$ 215 milhões.

Codevasf diz que precisa estocar para concluir processos de doação

Procurada pela reportagem, a Codevasf afirmou que a entrega dos equipamentos envolve vários passos, como a elaboração de relatórios, avaliação de conveniência socioeconômica, visitas técnicas, emissão de pareceres e publicação de informações no Diário Oficial da União.

“Até que os procedimentos de transferência sejam concluídos, é necessária a permanência dos equipamentos em áreas de armazenamento”, de acordo com a estatal.

De acordo com a Codevasf, a contratação do projeto dos galpões modulares metálicos foi feita sem licitação pois a legislação permite a dispensa de concorrência pública para estatais que vão contratar obras e serviços de engenharia com valor de até R$ 100 mil.

O projeto do galpão está em fase de revisão, segundo a empresa pública.

Indagada sobre a precariedade na estocagem dos produtos, a estatal respondeu que “os bens ficam armazenados em área da Codevasf sob vigilância permanente (24 horas diárias). Recinto coberto abriga parte dos equipamentos”.

Quanto aos fatos de manter estoques altos e acelerar entregas em período eleitoral, a estatal afirmou que “aquisições e doações de bens pela Codevasf ocorrem continuamente — há fluxo constante de entrada e saída de equipamentos nos espaços de armazenamento mantidos pela companhia. Por essa razão, o estoque é sempre positivo”.

“Eventual avaliação do ritmo de entregas não deve ser realizada por meio de mera subtração de quantidades existentes em estoque em diferentes datas”, completou.

Entenda decisão que barrou emendas de relator

Decisão da Justiça  

Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade das emendas de relator na segunda (19). Os ministros entenderam que é irregular, por exemplo, a falta de identificação de quem pediu os recursos.

Moeda de troca  

Esse tipo de emenda foi instituído em 2020 para destinar recursos federais a despesas de interesse de congressistas. A estatal Codevasf foi um dos principais destinos das verbas indicadas por deputados e senadores alinhados com o governo e a cúpula do Congresso

Manobra  

Ao aprovar o Orçamento para 2023 na última semana, o Congresso distribuiu os R$ 19,4 bilhões de emendas de relator previstas para o ano em emendas individuais (R$ 9,6 bi) e orçamento para execução dos ministérios (R$ 9,8 bi), mantendo viva a lógica por trás desse tipo de emenda

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