Longe de parecer provinciana, mas o sotaque paulista, e não necessariamente palistano, segue honrando as raízes da TV brasileira, fincadas em São Paulo, capital, em setembro de 1950, por Assis Chateaubriand. Muito antes de ser uma questão cultural, é algo comercial, mesmo, não vamos nos iludir.
Quase 71 anos depois da fundação da TV no Brasil, e cerca de 50 deles liderados pela Globo, de sede carioca, os auditórios mantêm o eco paulistês, sem os “esses” e “erres” arrastados à moda do Rio de Janeiro. Até Silvio Santos, o mestre dos mestres no ramo, nascido no Rio, economiza na ressonância do acento que transforma S em X em boa parte das palavras.
Silvio não puxa o I e o CH que os cariocas pronunciam no “mesmo”, algo que tantas vezes ouvidmos como “meichmo”. Tampouco transforma “mesmo” em “merrrrmo”. Habituado às colegas de trabalho da Pauliceia desde o início dos anos 1960, quando estreou na TV Paulista, acostumou-se a falar de igual para igual com elas, sem no entanto alcançar o extremo da caricatura paulistana da Mooca, que parece aplicar circunflexo em palavras como “apartamento” e “estacionamento”, ou pronunciando “táxi” como “táquis”.
Também soaria falso imitar Hebe Camargo, natural de Taubaté, no erre caipira, um sotaque que gera plena confiança na plateia, embora muitos famosos não tenham percebido essa propriedade, inspirada pela genuidade embutida nas origens do interior, e tenham se esforçado para adotar o dito sotaque neutro, como de Silvio Santos, ou até para falar carioquês, a fim de agradar ao padrão Globo de qualidade.
O padrão Globo de faturamento, no entanto, segue falando esses e erres from Saompaolo, como endossa agora Luciano Huck no lugar de Faustão, o mais paulistano de todos (“ô lôco, meu!”) e de Mion no lugar de Huck.
No SBT, os demais donos de auditório, Eliana e Celso Portiolli, também buscam , ao modo do patrão, alguma neutralidade dentro dos limites do virado à paulista.
Rodrigo Faro, na Record, honra a tradição, assim como Adriane Galisteu. Se não seguem o acento herdado dos italianos, tampouco trafegam pela zona sul do Rio, som que se tornou líder na teledramaturgia, graças à predominância de audiência da Globo.
Lembro uma vez em que Paulo Vilhena, natural de Santos (SP), foi criticado por um jornal carioca pelo acento paulista em uma novela da Globo. O problema, justamente, é que a novela em questão, em tese, se passava em São Paulo.
Parece que só os programas de auditório escaparam dessa ditadura de sotaque pronto para agradar à família Marinho. E a razão para tanto não requer longas pesquisas ou teses: está mesmo no faturamento que o gênero traz às emissoras. A receita publicitária arrecadada em São Paulo ainda é sobremaneira superior àquela encontrada no Rio, a segunda maior região com domicílios com acesso à TV, ou na grande Belo Horizonte.
Há muito mais consumidores em São Paulo –daí o foco da publicidade. Já houve quem se queixasse de a televisão, inclusive a Globo, pautar suas decisões pela gangorra da audiência da Grande São Paulo, como se o restante do país não importasse. Mas a verdade é que a região acaba por espelhar, melhor que Rio e BH, o que se manifesta em outras partes do país, inclusive pelo fato de abrigar mais migrantes do que qualquer outro pedaço brasileiro.
Mais do que atores de novelas ou séries, e mais do que jornalistas, que não podem fazer propaganda por uma questão de conflito de interesses, os apresentadores de auditório representam, isoladamente, grandes focos de faturamento publicitário pelo que anunciam. Simples assim. E complexo assim: tudo acaba definido pela direção da grana.
Dos acentos cariocas, houve Regina Casé, no “Esquenta”, que falou a muita gente durante um bom tempo, exatamente com uma proposta mais inclusiva, e talvez justamente por isso, mais feliz. Márcio Garcia, carioca da gema, e André Marques, comandam auditórios formatados, longe dos modes dos demais (lembrando que Garcia teve seu período de êxito na Record).
Fernanda Lima? Gaúcha, vá lá E há Ivete Sangalo, baiana de alma e acento, que poderá assumir as tardes de sábado no ano que vem, encontrando aí uma identidade de público que sempre se viu mal representado na TV de modo geral. Quem sabe ela não quebra essa hegemonia da pizza que repudia katchup?
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