Policiais militares compraram mais armas particulares nos seis primeiros meses de 2021 do que em todo o ano de 2020, mostram dados do Exército obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação) pelos institutos Igarapé e Sou da Paz, que pesquisam segurança no Brasil. Os dados foram divulgados inicialmente pelo jornal O Globo, e o UOL também teve acesso ao levantamento.
Em 2020, 11.576 armas foram compradas e registradas por policiais militares. Entre janeiro e junho deste ano, este número foi de 24.991 — mais que o dobro do registrado em todo o ano passado. No total, 535.569 armas estão registradas por policiais militares no Brasil. Em 2018, eram 510.605.
Relação com decretos de Bolsonaro
Para Michele dos Ramos, assessora especial do Igarapé, o discurso pró-armas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e as normas editadas no atual governo que favorecem o armamento têm relação com a alta observada neste ano.
Em fevereiro, Bolsonaro editou decretos que facilitam acesso a armas, mas trechos das normas foram suspensos pela ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), em abril. Recentemente, Bolsonaro disse que “quem não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar” e defendeu os decretos.
“Tudo que pode fazer por decreto, eu fiz. CAC [colecionador, atirador e caçador] está podendo comprar fuzil. CAC, que é fazendeiro, compra fuzil 762. Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Sei que custa caro. Tem idiota, ‘ah, tem que comprar feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, afirmou.
A movimentação de policiais militares para as manifestações pró-governo marcadas para o feriado de 7 de setembro também não pode ser desprezada, de acordo com a pesquisadora.
Este dado é um alerta, porque estamos num contexto em que se fortalece a ideia de aplicação da força como via de ação política, esquecendo que o uso da força em uma democracia deveria ser exceção.”
Michele dos Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé
A assessora especial do Instituto Igarapé analisa que o aumento de armas de PMs acompanha o aumento de armas registradas em geral, muito creditado à associação de que a arma de fogo é uma forma de resolução de conflitos e problemas.
“Em relação aos PMs, é preocupante porque é uma categoria com acesso privilegiado a documentos, são profissionais, têm carreiras. De forma alguma poderiam ser mobilizados para fins político-partidários, ilegítimos e radicalizados. Mas esse cenário está inserido no contexto de incentivo ao armamento.”
Ainda neste contexto, Ramos avalia que governadores e instituições precisam se responsabilizar pela tropa, porque o Brasil “já enfrenta problemas graves na aplicação da força dentro dos parâmetros democráticos”, a exemplo da violência policial.
O que leva um PM a comprar uma arma?
Na avaliação de Michele dos Ramos, uma conjunção de fatores leva um PM a comprar uma arma de fogo para uso particular, além do incentivo do governo Bolsonaro:
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A prerrogativa da função, que já tem acesso a armamento;
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Alto índice de mortes de policiais, que gera sensação de insegurança nos profissionais;
- Condições precárias de trabalho.
Mas tais fatores, na avaliação da pesquisadora, estão associados à defesa da força como via política. Há uma confusão em curso, de acordo com ela, sobre o uso da força pontual, como manutenção da ordem e segurança pública, com o exercício da força como único caminho para manutenção da ordem.
Ao passo que PMs têm mais acesso a armas, o restante da população também — o que pode gerar uma espécie de “ciclo vicioso” na sensação de insegurança dos policiais e no maior risco de eles serem vitimados.
“Aumenta a política de acesso, mas não avançam as políticas de controle e fiscalização desses arsenais. Mais armas em circulação significa maior risco de desvio, então o trabalho dos policiais é também agravado pelo incentivo ao armamento”, disse Ramos.