Irrelevante artisticamente, por que Globo de Ouro ainda se faz necessário – 12/12/2022

No começo deste ano, a premiação do Globo de Ouro, entregue pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, a HFPA, parecia morta e enterrada. Entre a crise disparada pela conduta imprópria e pouco ético de alguns de seus membros, aliado à falta de transparência e representatividade entre seus quadros, o prêmio perdeu sua “casa” na rede NBC e tornou-se uma cerimônia virtual e formal.

Em meio à crise, porém, o prêmio passou a buscar um caminho para a redenção. Com o anúncio dos indicados agendado para hoje, 11 de dezembro, e uma cerimônia agendada para 10 de janeiro, mais uma vez transmitida pela NBC, o Globo de Ouro – e a HFPA – buscar recuperar sua relevância perante a indústria do cinema. E, por tabela, para o público.

Não deixa de ser um movimento curioso. A HFPA diversificou seus membros, que passaram de menos de uma centena para 300 votantes, numa tentativa de perder a pecha de premiação, na falta de uma palavra melhor, “comprada”. Ao longo das últimas décadas, alegações de estúdios de cinema e TV mimando os votantes para assegurar indicações tornaram-se comuns. O que mudou?

A começar foi uma reforma interna, ajustando seu estatuto e deixando suas regras para aceitar novos membros mais transparentes. Uma consultoria interna identificou os pontos que precisavam de atenção urgente e promoveu mudanças no conselho da organização, prometendo rever critérios, processo seletivo, regras internas e assumindo o compromisso em promover diversidade.

Tudo é muito bonito, e tudo é absolutamente necessário para que o Globo de Ouro retome um lugar de destaque na temporada de premiações do cinema que se avizinha. Se isso será traduzido em uma representação real de qualidade entre seus indicados e premiados, a lista a ser divulgada hoje – que eu comentarei posteriormente – será um grande indicativo.

Isso tudo, claro, é artisticamente irrelevante. Ao contrário das diversas outras premiações que reconhecem a excelência de filmes e séries, como os nomes escolhidos pela National Board of Review, pelo American Film Institute e, por fim, pelo próprio Oscar, p Globo de Ouro sempre foi uma festa mais preocupada com a badalação do que com a celebração da arte.

Não existe absolutamente nada de errado com isso, é bom ressaltar. Cinema também é festa, e ter um momento em que celebridades se reúnem para um tapinha nas costas coletivo, regado a um jantar caprichado, e sem a formalidade dos prêmio da Academia, é parte do jogo. No Globo de Ouro eu sempre fiquei mais atento ao oba oba do que aos premiados.

Se os critérios da nova HFPA seguem por hora na linha do pênalti, a importância de o Globo de Ouro recuperar seu charme cafona como uma festança no coração de Hollywood, transmitida ao vivo para todo o mundo, é hoje maior do que nunca. O cinema, afinal, ainda tenta se recuperar do baque da pandemia, e boa parte do público percebeu que tudo bem assistir aos filmes em casa, em alguma plataforma de streaming.

Esse vácuo nas salas de exibição pode afetar com menos gravidade o cinema espetáculo, os filmes de super-heróis e de terror e as grandes propriedades intelectuais. A produção mais adulta, entretanto, encontra dificuldades visíveis para recuperar seu ritmo. Nem nomes de peso, como Steven Spielberg e Cate Blanchett, têm servido como chamariz.

Esse desinteresse esbarra tanto da popularização do streaming, que abriu as portas para cineastas como Martin Scorsese e David Fincher, como na infantilização do cinema. É um funil que surpreende um total de zero pessoas: se o cinema estimula tão somente o entretenimento, o público para filmes mais densos e maduros termina encolhendo.

A solução não é uma unanimidade, e é algo a ser pensado por produtores, distribuidores, exibidores e estúdios. A conversa para recuperar o cinema em sua plenitude – e para todos os públicos! – está em andamento. De minha parte, eu continuo vendo de super-heróis a dramas independentes, seja no multiplex, seja em cinemas independentes. Pluralidade faz um bem danado!

Justamente por isso o Globo de Ouro tem seu papel, talvez um novo papel, renovado. Como vitrine de cinema mundial, e agora de compromisso renovado com qualidade artística, a cerimônia certamente vai emoldurar filmes como “Tár”, “Os Fablemans”, “Aftersun”, “The Whale” e “Os Banshees de Inisherin” que, mesmo modestos, não encontraram um público além do reduzidíssimo circuito independente.

O momento é o de nutrir o cinema e fazer com que o espetáculo reencontre o equilíbrio com os méritos artísticos. Nem todo filme será uma produção com US$ 1 bilhão em caixa, mas é importante, como cinéfilos, experimentar mais vozes, visões artísticas diferentes, filmes com propostas que vão da euforia à reflexão. O papel do Globo de Ouro, agora buscando recuperar seu chão, é exatamente mostrar que esses filmes, no mínimo, existem! Justamente por isso, ele é indiscutível.

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