Foram quatro gols, classificação para as quartas de final, Richarlison, pênalti do Neymar, mas a estrela do jogo Brasil x Coreia do Sul, nesta segunda-feira (5), foi a dança, tema recorrente dos programas esportivos, que substituiu, nas manchetes de jornal, o chavão show —e o já aposentado “show de bola”.
No El País do Uruguai, a seleção brasileira deu “show de bailes”; no francês L’Équipe, “O Brasil dança com com suas estrelas”, e por aí vai, com traduções mais ou menos livres da palavra dança e similares usadas como metáfora, mas também com destaque específico para o desempenho coreográfico extra-futebolístico da equipe, as dancinhas.
O diminutivo pode indicar bola dividida —mas é dança isso? É. E pode isso? Para alguns, não. O irlandês Roy Keane, ex-jogador do Manchester United, que trabalha na Copa para o canal britânico ITV, considerou as comemorações dançantes “desrespeitosas”.
Mister Keane, com todo o respeito, muito do que a dança contemporânea quer é não respeitar regras, ocupar espaços não convencionais e, além de emocionar, provocar o público. Por esses quesitos, a crítica do irlandês poderia colocar as comemorações dançantes dos jogadores num patamar acima do que ela realmente é —dancinha. E tudo certo, porque no meu entendimento precário do esporte em questão, o que importa no final é o saldo de gols –se, garantida a vitória, se tornam supérfluas as discussões sobre futebol-arte, quem quer saber de dança-arte?
Não é disso que estamos falando, óbvio, mas as coreografias dos jogadores brasileiros entram em campo no grande debate do que é a dança hoje. Manifestações populares, dança de rua, bailes da periferia são materiais para muitas criações profissionais. Vários grupos de dança profissional executam suas “coreôs”, que poderiam, com um pouco de boa vontade, ser consideradas versões altamente sofisticadas —e geralmente mais brilhantes— dos passinhos coordenados de Vini Jr, Neymar, Raphinha e Lucas Paquetá para o Pagodão do Birimbola.
O pas-de-quatre foi uma dancinha do TikTok. Portanto, contemporâneo, estritamente falando. Também pobrinho em movimentos, mas lá com sua ginga, como até o crítico severo Keanu admitiu. Uma forma de comemorar –e dança é, também, celebração.
E teve também a agora número um dos estádios, a dança do pombo. Mal é uma coreografia. Desempenhada por Richarlison, é um movimento isolado do pescoço para frente e para trás, com as costas arqueadas e as mãos nos quadris, semelhantes a algumas posturas do candomblé.
Aqui vou fazer algo que se espera de um jogador de futebol, mas nunca de um jornalista —chutar. Chuto ser bem possível ancestrais de Richarlison terem feito esta dança. Imitar movimentos de animais, assim como de elementos da natureza, é uma característica muito encontrada em danças ancestrais.
Tudo isso pode ser viagem minha —a meu favor: até o Tite embarcou. Talvez sejam apenas manifestações meio lúdicas, jocosas até, como Keanu sentiu, de quem está com a bola toda.
Dança mesmo, para mim, foi o voleio de Richarlison para marcar seu segundo gol na partida contra a Sérvia, no primeiro jogo da Copa. Não à toa, entre os memes gerados após esta partida, a figura do centroavante foi colocada na roda das dançarinas do quadro “La Danse”, de Henri Matisse.
Outra figurinha mostrava o jogador no momento de seu grande-jeté para o gol com linhas e curvas riscadas em branco sobre a foto, representando o arco dos movimentos e as torções corporais – lembrando os vídeos do coreógrafo William Forsythe sobre técnicas de improvisação, nos quais são desenhadas essas linhas em branco para ilustrar seus movimentos. E, acima de tudo, foi um golaço.