Motoristas e as justificativas mais comum quando são pegos no Bafômetro “Depois que renovei minha carta estou dirigindo sem nenhum problema. Estou obedecendo todas as leis do trânsito, não me envolvi mais em nenhum acidente, não vou mais me envolver com fé em Deus. Por isso, eu peço por Deus, por favor, não retirem minha carta de mim, porque sempre foi meu sonho eu poder tirar a carta de motorista. Renovei com maior prazer e serei um ótimo motorista. Com fé em Deus, eu prometo a todos, obrigado.”
O trecho acima é quase um pedido de perdão e faz parte de um ranking do Detran de São Paulo das desculpas mais absurdas e até engraçadas usadas pelos condutores flagrados sob o efeito de álcool para fugirem das penalidades.
Segundo os artigos 165 e 165A do Código de Trânsito Brasileiro, dirigir sob a influência de álcool ou recusar-se ao teste do bafômetro são consideradas infrações gravíssimas, que podem levar a suspensão do direito de dirigir por 12 meses, além de multa de R$ 2.934,70.
Os números mostram que os argumentos dos motoristas fugitivos do bafômetro e da multa não convencem. Em 2019, foram julgados 8.625 recursos. Destes, somente 177 foram deferidos, o equivalente a 2%.
Em 2021, dos 743 recursos analisados até junho, 18 foram aceitos -2,4% do total.
“Muito embora a punição para estes casos não seja imediata, o resultado dos julgamentos dos recursos tem demonstrado tratar-se de justificativas quase sem nexo, resultando no indeferimento e na manutenção da penalidade aplicada”, afirma Frederico Pierotti Arantes, presidente do Cetran (Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo).
No ano passado, em função da pandemia de Covid-19, o Detran-SP não realizou a Operação Direção Segura, que será retomada em setembro. A ação foca na prevenção e redução de acidentes e mortes no trânsito causados pelo consumo de álcool.
No levantamento feito pelo órgão ainda constam como justificativas para fugir da penalidade: abalo emocional por término de noivado, consumo de comida com molho a base de vinho e evitar constrangimento por usar prótese dentária e ter muita gente no local -justificativa de um motorista para recusar o bafômetro.
Em outro caso, uma gripe foi a “culpada” pela infração. A recorrente afirmou no recurso que estava muito gripada, com catarro nos brônquios, e ingeriu remédio caseiro feito com mel, vinho do Porto e gema de ovo.
Na mesma linha, para melhorar a gripe e tosse, outro motorista disse que levou um amigo ao terminal rodoviário, foi convidado para um café no bar e “misturou um pouco de conhaque ao café”.
De acordo com dados do Infosiga SP, sistema do governo estadual gerenciado pelo programa Respeito à Vida, 383 pessoas morreram em acidentes de trânsito que envolveram suspeita de embriaguez ao volante em 2019 em São Paulo. Em 2020, ano com restrições por conta da pandemia de Covid-19, a partir de março, o número de mortos caiu para 365. De janeiro a julho de 2021, houve 144 óbitos.
“Embora esteja claro que não se pode consumir bebida alcoólica e pegar no volante, não raras as vezes nos deparamos com desculpas como ‘é um pouquinho só’, ‘é uma taça de vinho’, ‘tomei um copo de cerveja para celebrar o nascimento do meu filho ou o aniversário de casamento’. O que a gente chama de comemoração pode se transformar facilmente numa tragédia”, ressalta Arantes.
“A lei prevê que você não pode ter consumido nada de álcool, tanto que é conhecida como Lei Seca. A partir de 0,05 mg/L de álcool já cabe autuação”, completa.
O bafômetro determina a concentração do álcool analisando o ar exalado dos pulmões. “No Brasil, há dois tipos de aparelho e o mais usado é o feito por células de combustível. O álcool é expirado e reage com o oxigênio que já tem dentro do aparelho. Ocorre uma liberação de substâncias que geram uma corrente elétrica. Essa corrente passa por um chip dentro do bafômetro e é feito o cálculo de miligramas por litro de álcool”, explica Luana Luz, hepatologista e gastroenterologista do hospital Beneficência Portuguesa, de São Paulo, e sócia da clínica Gastrofig.
Nicolle Queiroz, coordenadora e professora da residência médica da Unisa (Universidade Santo Amaro), afirma que dois bombons de licor já são suficientes para causar alterações no bafômetro se o condutor for parado numa blitz minutos depois.
Com bebidas alcoólicas, o metabolismo é bem mais demorado e leva horas. Estudos mostram que o organismo demora pelo menos uma hora para liberar o álcool presente em uma lata de cerveja. Se o motorista beber mais, pode demorar até 12 horas para que ele consiga passar no teste.
Segundo Luz, o tempo de metabolização depende de alguns fatores, como características individuais, a quantidade de álcool consumida, o tipo de bebida e o sexo -em homens o processo é mais rápido do que em mulheres.
Enxaguante bucal, comidas, doces, remédios caseiros e café misturado a uma bebida alcoólica, geralmente, não oferecem risco de transformar um cidadão em infrator, mas é bom aguardar pelo menos 30 minutos antes de pegar o volante se a pessoa ingeriu alguma dessas opções. Se parar numa blitz e for o caso, informe o ocorrido à autoridade de trânsito no momento da abordagem.
Queiroz alerta para as notícias falsas que circulam sobre o assunto. É impossível burlar o bafômetro, então, tomar banho gelado, medicamentos, refrigerante, café ou vinagre não mascara o álcool no teste. O mesmo vale para mascar chiclete e consumir carvão ativado. Outra informação falsa envolve a utilização de álcool em gel. A higienização das mãos com o produto não interfere no resultado do bafômetro.
Quem tem curiosidade para saber como são analisados os recursos dos motoristas pode, inclusive, acompanhar os julgamentos. Eles são transmitidos toda terça-feira, às 9h, no canal do Cetran-SP YouTube.
“É importante mostrar os motivos pelos quais aquela conduta não é permitida. Durante o julgamento, procuramos explicar as razões do indeferimento. As pessoas que acompanham descobrem que não existe milagre, como as empresas e profissionais que prometem cancelar multas e zerar o prontuário”, ressalta Arantes.