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A necessidade de ajudar países em desenvolvimento a lidar com as perdas e danos causados por eventos extremos relacionados à mudança do clima foi o grande tema da COP27, a 27ª Conferência do Clima da ONU, encerrada neste domingo em Sharm el-Sheikh, no Egito. Apesar de a conferência ter terminado com a histórica decisão de criar um fundo de suporte aos países vulneráveis, a trégua dada aos combustíveis fósseis trouxe um gosto agridoce para as negociações.

O Pacto de Implementação de Sharm el-Sheikh, documento final da COP27, falhou em aumentar a ambição global na redução de emissões de gases de efeito estufa – a mitigação, no jargão técnico –, cuja alta concentração na atmosfera é responsável pelas mudanças do clima. Também não avançou no combate à queima de combustíveis fósseis, de onde vem grande parte das emissões mundiais.

“Um fundo para perdas e danos é essencial, mas não é uma resposta se a crise climática apagar um pequeno estado insular do mapa, ou transformar um país africano inteiro em deserto. O mundo ainda precisa de um salto gigante na ambição climática”, escreveu em seu perfil no Twitter António Guterres, secretário-geral da ONU, horas após o fim das negociações no Egito. 

O fundo de perdas e danos é uma demanda antiga dos países em desenvolvimento, sobretudo das pequenas ilhas, que veem sua existência física e cultural ameaçada pelo aumento do nível do mar e outros eventos extremos. Até os dias finais da conferência, estendida para a madrugada de domingo,  havia dúvidas de que o fundo, que travou as negociações por duas semanas, chegaria ao texto final.

Em seu pronunciamento oficial após o fim da COP27, o ministro da Saúde, Bem Estar e Meio Ambiente de Antígua e Barbuda Molwyn Joseph, também chair do AOSIS, aliança de 39 pequenos Estados insulares localizados no Caribe, África, Ásia e oceanos Pacífico e Índico, afirmou que “uma missão de trinta anos em construção foi cumprida”.

“Os acordos feitos na COP27 são uma vitória para o mundo inteiro. Mostramos àqueles que se sentiram negligenciados que os ouvimos, vemos e estamos dando a eles o respeito e o cuidado que merecem”, continuou Joseph, lembrando que a partir de agora é necessário trabalhar ainda mais para operacionalizar o fundo, cujas regras de funcionamento ainda precisam ser discutidas e devem representar mais um nó a ser destacado na COP28, que ocorrerá em 2023 nos Emirados Árabes Unidos.

O atendimento ao clamor pelo fundo é também um marco para a justiça climática, já que os países que pouco contribuíram para o aquecimento global e mais intensamente sofrem seus impactos finalmente conseguiram arrancar algum compromisso de ajuda financeira dos grandes emissores, como Estados Unidos e União Europeia. 

Na plenária de encerramento da conferência, durante a madrugada de domingo, a ministra de Mudanças Climáticas do Paquistão, Sherry Rehman, destacou que “o estabelecimento de um fundo não é sobre distribuir caridade, é claramente um pagamento inicial do investimento mais longo em nossos futuros conjuntos. É um pagamento inicial no investimento em justiça climática.” Isso tem significado especial para o seu país, atingido neste ano por enchentes catastróficas que provocaram mais de 1,4 mil mortes e impactaram 33 milhões de pessoas, de acordo com Rehman.

Quem paga e quem recebe, decisões para a COP28

O resultado positivo em perdas e danos só foi possível devido à união dos países em desenvolvimento, que nem sempre negociam juntos por serem extremamente diferentes entre si. Dessa vez, no entanto, o G77+China, bloco que reúne 134 nações em desenvolvimento – entre elas, o Brasil –, encampou a demanda do Aosis. A atuação conjunta começou quando o presidente da COP27 anunciou, em sua abertura, que as discussões para criação de arranjos de financiamento para perdas e danos seriam transformadas, pela primeira vez, em item oficial da agenda das COPs.

“Os países desenvolvidos não conseguiram mais adiar, coisa que vinham fazendo há muito tempo. Foi uma demonstração de força da união dos países em desenvolvimento”, aponta Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima. “Os países em desenvolvimento como um todo se uniram de maneira muito forte em torno dessa agenda, eles não cederam, apesar das várias pressões e tentativas de criar algum tipo de rachadura no grupo.”

Uma manobra da União Europeia na sexta-feira (18/11) – quando a COP deveria estar na véspera de seu encerramento, mas as negociações ainda estavam emperradas – foi encarada por negociadores do G77+China como uma tentativa de abalar a unidade do bloco. No início da conferência, os Estados Unidos se colocavam totalmente contrários à criação de qualquer mecanismo financeiro para perdas e danos, e depois passaram a defender que na COP28 se criassem “novos arranjos financeiros”, sem se comprometer com um fundo propriamente dito. 

Para tentar um meio-termo entre as propostas norte-americana e dos países em desenvolvimento, que pediam a criação imediata de um fundo acessível por todos eles, a UE sugeriu um fundo apenas para as nações mais vulneráveis e com a ampliação da base de doadores. Com isso, dava vazão ao desejo dos países desenvolvidos de que emergentes que estão entre os maiores emissores de CO2 do mundo, principalmente China e Índia, e potencialmente Brasil, também doem dinheiro ao mecanismo, em vez de receber.

No fim, a ideia europeia de aumentar a base de doadores não foi contemplada no Pacto de Implementação de Sharm el-Sheikh, que não inclui nenhuma decisão sobre os pagadores da conta, mas determina que o fundo deve assistir aos países em desenvolvimento “particularmente vulneráveis” aos efeitos adversos das mudanças climáticas, definição que também precisa ser discutida. “O texto aprovado é propositadamente bastante vago em dois aspectos fundamentais para o funcionamento deste fundo: quem seriam os beneficiários potenciais e prioritários desses recursos, e quem seriam os doadores do fundo. Esses pontos devem pautar as discussões em torno desse fundo no próximo ano, no que promete ser uma conversa bastante dura e complicada”, explica Bruno Toledo Hisamoto, doutor em Relações Internacionais e pesquisador do Instituto Climainfo, que acompanhou as negociações sobre perdas e danos na COP27.

Os deslizamentos de terra ocasionados por tempestades em Petrópolis, neste ano, podem ser exemplos de perdas e danos 

Thomaz Silva/Agência Brasil

Hisamoto lembra ainda que a “decisão de capa” da COP27 “insere o fundo dentro de ‘novos arranjos financeiros’, pontuando que ele será um instrumento entre vários que deverão ser analisados e criados nos próximos anos para lidar com perdas e danos.” Um desses instrumentos, apresentados durante a conferência pelo G7, o grupo que reúne as maiores economias do mundo, provavelmente será o Global Shield, que dispõe de cerca de 200 milhões de euros para atender aos países atingidos por perdas e danos por meio de seguros, o que as nações em desenvolvimento classificam como insuficiente. 

Além disso, o texto cria um “comitê de transição” para operacionalização do fundo, a ser formado por 14 representantes de países em desenvolvimento e dez de países desenvolvidos, que deve ser reunir pelo menos três vezes por ano – a primeira delas deve acontecer até 31 de março de 2023.

Trégua aos combustíveis fósseis

O texto final da COP27 não avançou nas determinações para diminuir ou acabar com o uso de combustíveis fósseis. A linguagem nesse quesito é a mesma adotada pelo Pacto Climático de Glasgow, firmado na COP26, que determina a redução gradual (phasedown, em inglês) do carvão e o abandono gradual (phase-out) dos subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis. Vilã no ano passado por ter, na última hora, pressionado pela redução gradual do carvão em vez de eliminação, agora a Índia defendeu um acordo pela diminuição paulatina de todos combustíveis fósseis, mas a proposta foi barrada por países como Arábia Saudita, Rússia e China.

Segundo Stela Herschmann, a inclusão do phasedown ou phase-out dos combustíveis fósseis era um dos “grandes pleitos” para aumentar a ambição em mitigação. Foi reproduzida, no texto final, a meta do Acordo de Paris de “prosseguir esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais”, embora alguns países tenham resistido a essa reafirmação. “Mas foi uma mera repetição de Glasgow, e tinha uma série de países que queriam ir além, que mostrássemos como iríamos atingir isso”, pontua a especialista. “Principalmente no quesito de mitigação, acabamos andando para o lado, não para frente como a gente precisa. E a velocidade da crise climática que a gente vive não permite que a gente desperdice um ano, como acabamos desperdiçando.”

Foi enfraquecida também a linguagem no capítulo de energia: o documento final fala no aprimoramento de um “mix de energias limpas”, incluindo “energias renováveis e com baixas emissões”. “O texto diz que você tem que incentivar fontes de baixo carbono e renováveis, isso quer dizer que não se entende que apenas energias renováveis devem ser priorizadas, pode-se priorizar também o gás natural, que emite menos carbono”, também um combustível de origem fóssil, explica Rodrigo Sluminsky, membro da Laclima, rede de juristas dedicada a gerar conhecimento sobre o direito das mudanças climáticas na América Latina, que acompanhou as negociações sobre financiamento e energia. “É uma redação que considero muito ruim”, diz Sluminsky, para quem “energia foi o patinho feio da sala” na COP27.

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