Mulheres pretas são as principais vítimas de eclâmpsia

Uma pesquisa realizada pelo IEPS mostra que mulheres pretas e pardas são as que mais sofrem com pré-eclâmpsia grave e eclâmpsia

STEFHANIE PIOVEZAN
SÃO PAULO, SP

Uma pesquisa realizada pelo IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e pelo Instituto Çarê mostra que mulheres pretas e pardas são as que mais sofrem com pré-eclâmpsia grave e eclâmpsia. As mulheres pretas também são as maiores vítimas das principais causas de mortalidade materna no Brasil.

De janeiro de 2014 a dezembro de 2021, a cada 1.000 mulheres em trabalho de parto no país, 28,4 tiveram eclâmpsia ou pré-eclâmpsia. Para as mulheres brancas, essa taxa foi de 24,9, enquanto para as pardas foi de 27,5 e, para as pretas, de 32,8.

Em 2014, a taxa dessas duas intercorrências obstétricas para todas as gestantes foi de 25,2, contra 33,3 em 2021. Para as mulheres pretas, porém, passou de 30,5 para 41,3.

As duas outras principais intercorrências -hemorragia grave e sepse grave- também foram analisadas, mas não apresentaram diferenciação tão expressiva. No caso da hemorragia, a média no período foi de 9,1 para as mulheres pretas, 9,5 para as brancas e 10,6 para as pardas. Em relação à sepse, a média foi de 6,6 entre puérperas brancas, 7,6 entre pretas e 9,0 considerando as pardas.

Pesquisador de economia da saúde e autor do trabalho ao lado de Gisele Campos, Rony Coelho ressalta que, em grande medida, essas intercorrências são evitáveis por meio do pré-natal adequado e do atendimento de qualidade.

Não é isso, porém, que se observa, de acordo com a epidemiologista Emanuelle Góes, autora de um estudo que mostra as disparidades nos cuidados das mulheres.


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Publicada na revista Ciência & Saúde Coletiva, a pesquisa de Góes sinaliza que a letalidade por Covid-19 entre gestantes e puérperas pretas e pardas foi maior do que a observada entre as brancas. Indica ainda que as gestantes negras tiveram menos acesso à UTI e que a chance de óbito materno no puerpério para as mulheres pretas foi 62% maior em comparação às brancas.

“Temos uma questão que precisa ser reconhecida que é o racismo institucional. Ele interfere no processo de cuidado, na tomada de decisão dos profissionais e até mesmo das próprias mulheres. Elas vivenciam diversas violências institucionais, seja de forma individual ou coletiva, sabendo que sua mãe, sua irmã e sua vizinha têm uma história de violência para contar, e isso retarda a procura pelo serviço”, analisa .

Góes menciona estudos anteriores que apontam, por exemplo, que as mulheres negras são menos tocadas por profissionais de saúde e que sua pressão arterial é aferida com menos frequência, o que impacta o controle da hipertensão e a prevenção à pré-eclâmpsia. A altura uterina das mulheres negras também é medida menos vezes, as consultas de pré-natal são mais curtas e o tempo para serem atendidas é maior, segundo a pesquisadora, que integra o grupo temático Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.

Somado a isso, muitas mulheres negras e indígenas moram em locais distantes dos serviços de média e alta complexidade, sem acesso a UTIs. “Temos um conjunto de fatores permeado pelo racismo que leva ao desfecho da mortalidade materna. São pessoas negras e indígenas que vivem nesses locais segregados, sem acesso aos serviços. O racismo gera essa segregação”, afirma Góes.


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O estudo do IEPS e do Instituto Çarê, realizado a partir de dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde, indica que as mulheres pretas apresentam os piores indicadores quando consideradas as causas de mortalidade materna mais frequentes no país entre 2014 e 2021.

Elas são as principais vítimas de complicações relacionadas ao parto e puerpério, assim como de afecções obstétricas como doenças virais, doenças infecciosas e parasitárias, anemia, doenças do sistema nervoso e do aparelho circulatório que complicam a gravidez, o parto e o pós-parto.

“A literatura agrega as intercorrências mais graves e as causas de mortalidade, enquanto no nosso trabalho destrinchamos os vários tipos”, compara Coelho.

“Os estudos também apontam que existe é uma diferenciação entre brancas e negras na mortalidade materna, mas não esperávamos que fosse tão gritante e tão consistente ao longo do tempo”, diz o pesquisador, para quem a persistência da desigualdade reafirma o discurso de ativistas que há anos alertam para o racismo na saúde.


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Para Góes, o enfrentamento ao racismo institucional passa pelo respeito à Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que preconiza a luta contra as altas taxas de mortalidade dessa população. “Precisamos que a política seja implementada nas três esferas, nacional, estadual e municipal para contemplar desde a atenção básica, onde as mulheres fazem o pré-natal, até os hospitais de média e alta complexidade”.

“Tanto a política da população negra quanto a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher são fortes, concretas e bem elaboradas. O que precisamos é que sejam implementadas”, avalia a cientista.

Por outro lado, ela defende ser necessário investir no treinamento antirracista do profissional de saúde, seja ele já formado ou ainda em início de formação.


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“As cotas permitem não apenas trazer jovens negros para a área da saúde, mas incentivam a reformulação de referências bibliográficas, de narrativas. Vivemos muito tempo em um modelo que subjuga os corpos negros, que acha que devem ser usados como cobaias, e agora estamos tentando construir algo diferente. É desse lugar que é preciso construir uma nova medicina, uma nova enfermagem, uma nova forma de lidar com as pessoas na prática, no cuidado e na ciência”.


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