É um bocado estranho quando você é finalmente apresentado a alguém que conhece, de certa forma, desde sempre. Foi assim quando encontrei a Isabel pela primeira vez.
A Isabel do Vôlei me acompanhou na pré-adolescência, quando a TV aberta era minha babá e eu me interessava por esportes. Foi nessa época que o esporte coletivo feminino conquistou o devido reconhecimento no Brasil –além da geração de Isabel e Vera Mossa no vôlei, havia o basquete de Hortência e Magic Paula.
Por uma feliz coincidência, Isabel se tornou namorada do meu amigo Luís, produtor de cinema, carioca residente em São Paulo.
Fui encontrá-los no restaurante Modi, a três quadras da minha casa, numa sexta-feira do início de julho. Comemos focaccia, guioza de siri e ravióli de gema de ovo. De lá, fomos para o Banh Mi, restaurante vietnamita na bela vista, e rachamos um pho bo –sopa de carne com macarrão de arroz e toneladas de temperos fantásticos.
A Isabel namorada do Luís correspondia exatamente à imagem que eu fazia da Isabel pessoa pública: inteligente, aberta, interessada, generosa.
No domingo seguinte, fomos ao Bom Retiro comer churrasco coreano no New Shin-La Kwan. Havia uma pequena espera, então esperamos em um boteco na esquina mais próxima.
Um metro e oitenta de mulher, chinelo nos pés e copo de cerveja nas mãos, Isabel se comportava como deveria se comportar em Ipanema, onde você desvia o olhar de gente famosa para não bancar o jeca. Mas o Bom Retiro é bem escasso de celebridades, então a presença de Isabel começou a atrair os passantes.
Um esses fãs já havia encontrado Isabel em um vagão de trem no Japão, onde ambos já moraram. Ela tentou se lembrar do encontro prévio, não me lembro se ela se lembrou, mas a conversa seguiu como se ambos fossem velhos conhecidos.
No restaurante, meu papo com ela enveredou para assuntos pessoais. Isabel foi paciente e atenta às minhas lamúrias de um relacionamento que acabara semanas antes. E honesta o bastante para dizer que eu havia feito merda no episódio. Eu emendei um “veja bem”, mas no fundo sabia que Isabel tinha razão. Merda eu fiz.
Na volta, quando o casal me deixou na porta de casa, puxei a Isabel para uma selfie tremida de tiete cervejeiro. Já nos tratávamos como amigos, mas ela ainda era a gigante que eu aprendi a admirar quando muito jovem.
Na última vez que vi Isabel, fomos os três ao izakaya Donchan, uma adorável espelunca japonesa com karaokê. Isabel estava à vontade como pinto no lixo. Pediu tataki de peito de pato e soltou a voz.
Na despedida, deixamos meio combinado de comer feijoada no almoço seguinte. Eles não me procuraram. Eu tampouco os procurei. Que o casal tivesse seus momentos a sós.
Hoje acordei de sonhos intranquilos e já me deparei com duas mensagens de Luís no WhatsApp. Na primeira, direto, ele empregou só duas palavras: “Isabel faleceu”. Na segunda, me pediu para reenviar um vídeo que fiz dos dois cantando “Não Quero Dinheiro”, de Tim Maia, no karaokê.
Por respeito ao Luís e à família de Isabel, só vou veicular o vídeo quando e se tiver sua permissão expressa.
A notícia da perda da amiga Isabel (acho que posso chamá-la assim) foi o início de uma quarta-feira tétrica. Horas mais tarde, chegaria a mensagem da morte do seu Maurício, pai do Ivan Finotti, meu colega de Folha e muito mais –somos grandes amigos desde a época em que Isabel detonava nas quadras.
Maurício era monossilábico e intimidador ao telefone fixo (o único tipo que existia quando eu, adolescente, ligava para procurar o Ivan na casa dos pais). Em pessoa, era afetuoso e me socorreu em alguns BOs quando eu fiquei com medo da reação do meu próprio pai.
Enfim, sei que você não tem nada a ver com minhas andanças no Bom Retiro ou as amizades de adolescência, mas a escrita é a minha válvula de escape. Dizer que está sendo um dia péssimo é muito pouco. Há de se aguentar: os dias ruins, como a vida das pessoas boas, também passam.
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