A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) criticou comentário da jornalista Eliane Cantanhêde sobre a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, esposa do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e afirmou que “exigir das primeiras-damas que sejam silenciosas é reproduzir o pior da misoginia e do machismo”.
Cantanhêde virou alvo após abordar na sexta-feira (11), na GloboNews, o envolvimento de Janja na transição de governo e afirmar que existe um “incômodo com o excesso de espaço” dela nas decisões. O episódio levantou uma onda de apoio à futura primeira-dama em mensagens em redes sociais no fim de semana.
Em resposta à jornalista, Dilma afirmou neste domingo (13) em uma rede social que “Janja tem de ser respeitada” e que lugar de mulher é onde ela quiser estar. “Isto vale para jornalista, vale para militante que seja mulher de presidente, vale para cada uma de nós, mulheres”, escreveu.
A petista disse que “a jornalista que critica uma mulher por ‘ocupar excesso de espaço, participar de reuniões e dar papites’ é preconceituosa” e citou a escritora francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), afirmando que a pensadora feminista “ensinou que o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos”.
Dilma classificou o caso como “um dos fatos mais preconceituosos da semana” e disse que Cantanhêde fez uma tentativa “de reviver o triste, lamentável e misógino episódio do ‘bela, recatada e do lar'”. A expressão alude a uma reportagem da revista Veja sobre a ex-primeira-dama Marcela Temer em 2016.
Nas falas sobre a presença de Janja nos compromissos de Lula, a comentarista do programa “Em Pauta”, da GloboNews, afirmou que “ela já começou a participar de reunião, já vai dar palpite e daqui a pouco ela vai dizer quem pode ser ministro. Isso dá confusão. Se é assim na transição, imagina quando virar primeira-dama”.
Cantanhêde ainda mencionou o comportamento de outras primeiras-damas, como Ruth Cardoso (1930-2008). Ela disse que a esposa de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) “não tinha protagonismo, não tinha voz nas decisões políticas e, se tinha, era a quatro chaves dentro do quarto do casal”.
“Ela [Janja] não é presidente do PT, ela não é líder política, não é presidente de partido, enfim, por que ela estava ali? Qual é o papel da primeira-dama?”, questionou a jornalista sobre a presença da esposa do petista no evento de quinta-feira (10) em Brasília no qual Lula chorou ao falar sobre combate à fome.
Políticos aliados, dirigentes e militantes rebateram as críticas sob a hasthag “respeita a Janja”. O perfil do presidente eleito em uma rede social postou foto dele abraçado a Janja durante ato em um palanque na campanha eleitoral, sem menção direta ao episódio da jornalista.
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, chamou a fala de Cantanhêde de desprezível. “Me apavora o machismo incrustado na cabeça de mulheres ditas esclarecidas, onde estereótipo dos papéis delegados a nós é o importante.” Também disse no post que ter opinião e participação política é um direito de todas as mulheres.
Em resposta a Gleisi, Cantanhêde afirmou: “Alguém falar de ‘machismo incrustado’ comigo não é só injusto, é ridículo. Meu feminismo está no DNA e numa vida inteira. Elogiei Janja, apenas separei relação pessoal com função pública”.
A jornalista, em mensagens a outros seguidores, reforçou que sua intenção era fazer uma distinção entre as duas esferas. “Apenas disse que uma coisa é a relação pessoal, outra é a função pública. Já imaginou o contrário? Se fosse uma mulher presidente e o marido se metendo em tudo?”, exemplificou.
Cantanhêde, veterana repórter da cobertura política em Brasília, também assina uma coluna no jornal O Estado de S. Paulo. Ela foi colunista da Folha, onde trabalhou entre 1997 e 2014.
Janja, que se casou em maio com Lula, é figura frequente nas agendas do presidente eleito. Ela assumiu tarefas na campanha e ganhou protagonismo em atos públicos do petista, discursando e cantando. Em agosto, a Folha mostrou que as interferências e a superexposição criavam incômodos no entorno.