Um dos estereótipos que perseguem a música sertaneja de hoje é o de que os principais expoentes deste gênero musical seriam apoiadores de Bolsonaro. Como todo estereótipo, ele encontra algum fundamento na realidade.
O cantor Zezé Di Camargo é um dos mais conhecidos defensores do governo Bolsonaro, e manifestou-se a favor do voto impresso. O cantor Gusttavo Lima se engajou na defesa das armas, um discurso tão caro ao presidente. Eduardo Costa, hoje arrependido, foi um dos mais empolgados com a vitória do presidente em 2018, quando chegou a fazer vídeo pulando na piscina de tanta alegria.
Esta polêmica foi reacendida há algumas semanas, depois do áudio golpista vazado de Sérgio Reis. Em entrevista a Roberto Cabrini tentando se explicar, Reis deu declarações ambíguas. Pedia desculpas, chorava, mas ao mesmo tempo dizia: “Minhas palavras tiveram um alto preço, mas é o preço que temos que pagar, senão este país não muda”.
Em tempos acirrados, estamos mais propensos a pensar com o fígado e menos interessados em perceber nuances. E assim a música sertaneja é logo tachada de “alienada” —esse imortal chavão marxista—, governista, adesista, ufanista, ou variantes destes adjetivos, hoje atualizados na palavra “bolsominion”. Mas, o que dizer de artistas da MPB? Tachar os sertanejos de bolsominions não deve nos fazer esquecer que artistas de outros gêneros também apoiaram o governo Bolsonaro.
Alguns foram otimistas demais em relação ao presidente em 2018, quando ele já demonstrava características fascistas. Em meio a declarações racistas, como aquelas feitas sobre os quilombolas em um evento no Hebraica do Rio de Janeiro, ou ações execráveis, como o incentivo contínuo para que crianças fizessem arminhas com a mão, o hoje arrependido Fagner disse na campanha: “Amigo Jair, quero prestar meu apoio à sua candidatura à Presidência do Brasil. […] Fraterno abraço, estamos juntos!”
Quando Bolsonaro ganhou a eleição, vários daqueles que parecem ter participado com seu apoio silencioso na eleição resolveram sair de trás das cortinas e assumir o palco principal. Empolgados, muitos artistas se disseram otimistas com o governo que nunca escondeu seus desejos golpistas.
Djavan passou pano para as declarações racistas do presidente, e disse em 2019: “Eu estou muito esperançoso. Eu sou uma pessoa otimista. Eu tenho uma esperança de que o Brasil vai dar certo. Tudo o que acontece agora aponta para um futuro melhor. A gente não pode garantir, porque o governo ainda não está atuando, está apenas se formando, mas estou esperançoso”. Para Djavan, o principal problema do país não era a desigualdade, a fome, nem mesmo a corrupção: “Segurança pública é a maior urgência que existe”.
O violonista Toquinho, grande parceiro de Vinícius de Moraes, disse em entrevista a Pedro Bial no início do mandato de Bolsonaro: “Me perguntaram o que eu achava em termos de corrupção logo depois da eleição. Eu falei que confiava muito, pois estavam ali Sergio Moro e Jair Bolsonaro, e não me parece que estas duas pessoas sejam corruptíveis. Não acho que são”.
Mais agressiva, Nana Caymmi partiu para cima dos críticos em entrevista à Isto É: “É injusto não dar a esse homem um crédito de confiança. Um homem que estava fodido, esfaqueado, correndo pra fazer um ministério, sem noção da mutreta toda… Só de tirar PMDB e PT já é uma garantia de que a vida vai melhorar. Agora vêm dizer que os militares vão tomar conta? Isso é conversa de comunista. Gil, Caetano, Chico Buarque. Tudo chupador de pau de Lula. Então, vão pro Paraná fazer companhia a ele. Eu não me importo”.
E não se importava mesmo. Ao completar 80 anos e tomar a primeira dose da vacina, Nana disse ao jornal O Globo: “Se quiser me cancelar, cancela. […] No Brasil, você não pode ter opinião, você é malhado feito Judas. Infelizmente, aqui é gado, tem que ir um cheirando o rabo do outro. A internet deu vazão à frustração, a pessoas sem o menor gabarito que condenam outras à morte. Eu sou é anti-Lula, não gosto da política dele, não gosto da amizade dele com o chavismo e com Cuba. Sou da direita, não sou comunista e jamais serei”.
Já o rei Roberto Carlos resolveu bater continência para Bolsonaro em abril de 2019, ao defender o porte de armas: “Desculpem se vou decepcionar alguns de vocês, mas vivemos numa guerra. Não dá para uma pessoa andar armada e outra andar desarmada. Cresci vendo meu pai com uma arma em casa”. Para quem tinha dúvida do posicionamento do rei, Roberto reforçou seu apoio ao presidente. Em fevereiro de 2020, antes de embarcar no seu tradicional cruzeiro anual, ele afirmou à imprensa: “Acho que o Bolsonaro é muito bem-intencionado. Ele tem tido muita dificuldade com o pessoal em volta dele. Mas acho ele bom e já tem conseguido algumas coisas. Vamos torcer pelo país, que está na mão dele”.
Junto com o rei, veio a corte. Mais recentemente, Erasmo Carlos criticou a CPI da Covid, que vem desmascarando a corrupção do governo Bolsonaro em cada dose da vacina: “É um circo. É inacreditável, eu não sei como tem gente tão sem noção. Fico bestificado de ver tanta desinformação. A cada dia sou surpreendido por mais blablablá, isso me deixa muito triste”.
E não podemos esquecer de Eduardo Araújo, “o bom” da Jovem Guarda, que aparece em todos os vídeos radicais onde Sergio Reis está, mas, calado, anda passando praticamente incólume pelos olhares patrulheiros. Araújo, que também fez a transição em direção à música rural, mas depois de Sergio Reis e de forma menos eficaz no imaginário popular, também foi alvo da PF e terá que prestar contas.
Há ainda aqueles que, sem prestar loas diretamente ao presidente, sintonizam-se com duros defensores do regime e suas condutas. A cantora Baby do Brasil defende o dito “tratamento precoce”, conjunto de remédios que, advogavam os bolsominions ecoando Bolsonaro, seria eficaz na prevenção ao vírus, algo cientificamente sem comprovação.
Para Baby, não importava: “Eu sou prova, faço todo o preventivo desde março de 2020! Ivermectina, Vit C, complexo vitamínico, vitamina D”. Baby chegou a se reunir com a médica Nise Yamaguchi, integrante do governo, que tocou piano para a cantora, logo após o vergonhoso depoimento desta na CPI da vacina.
Em 2018, Elba Ramalho, intransigente crítica do aborto, se aproximou muito da militante Sara Winter. A então candidata a deputada federal pelo Rio de Janeiro pelo DEM, que se definia como “ativista pró-vida, pró-família, pró-defesa”, foi recebida pela cantora e rezou com ela. Até gravaram um vídeo de campanha juntas no qual compartilhavam suas experiências de aborto. Embora se dizendo “apolítica”, Elba se aproximou de uma candidata que apoiava abertamente Bolsonaro.
Sara Winter não conseguiu se eleger, mas, em abril de 2019, foi nomeada coordenadora nacional de políticas à maternidade do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob a gestão da ministra Damares Alves. Exonerou-se em novembro e, em 2020, foi presa pelo STF depois de integrar o “grupo dos 300”, que se reunia à noite em plena Praça dos Poderes ameaçando especialmente o STF. A gota d’agua foi quando ela participou do movimento que jogou fogos de artifício no prédio do Supremo.
Nenhum gênero musical no país parece passar incólume à onda bolsominion. Teremos de lidar com isso, quando tudo isso passar.