filme fala sobre mulheres negras e suas dores

Desde as primeiras cenas, “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre” deixa claro a maneira como irá lidar com o golpe sofrido no coração de sua história dois anos atrás, quando Chadwick Boseman, intérprete do rei T’Challa, o próprio Pantera Negra, morreu precocemente, aos 42 anos, vítima de um traiçoeiro câncer no cólon.

Mesmo quando o roteiro muda o foco, a dor de uma perda real é visível como a luz do Sol nos rostos dos principais integrantes do elenco, e a sensação de vazio que só o luto proporciona invade os corações de quem consome o filme com atenção.

Alerta de Spoiler Splash

Imagem: Arte UOL

A morte de T’Challa, retratada de maneira semelhante à de Boseman, é o ponto de partida do fio condutor de toda a trama: a luta de Shuri (Letitia Wright) para superar o buraco que se formou em seu coração com a partida precoce de seu irmão e melhor amigo.

É a angústia da princesa wakandeana o gatilho para que outras mulheres negras da história se reconheçam a partir do sentimento de perda que as toma, por razões e olhares diferentes.

É através de Shuri que a matriarca Ramonda, nova rainha de Wakanda após a partida do filho, desabafa sobre a devastação que a morte provocou em sua vida, levando seu marido anos antes em um atentado, e agora desferindo o maior golpe que uma mãe pode levar.

Mais adiante, é Nakia (Lupita Nyong’o) quem expõe a falta de coragem de pisar novamente em Wakanda sabendo que seu grande amor não estará lá para recebê-la, mesmo motivo pelo qual é incapaz de ir ao seu velório.

Em outro momento, a poderosa general Okoye (Danai Gurira) é confrontada pelo conselho de anciãos e expõe que além de lidar com a morte do rei, também enfrenta a dor de ter sido abandonada pelo marido, W’Kabi (Daniel Kaluuya), que traiu o reino wakandeano no primeiro filme.

Dores tão comuns ao cotidiano da negritude — especialmente entre as mulheres — se sobressaem mesmo quando o filme tenta seguir suas tramas paralelas, como a disputa entre Wakanda e o reino de Talokan, conflito mais uma vez marcado por cicatrizes históricas de ambos os povos representados.

“Pantera 2” retrata com fidelidade a força e resiliência que marcam a existência da mulher negra no mundo desde sempre, mas se recusa a romantizá-la. Ao começar falando de dor para depois migrar para força, o diretor Ryan Coogler evidencia que a energia para resistir é o que resta quando um coração se cansa de apanhar.

Se T’Challa evocava o Pantera Negra para cumprir a nobre missão de proteger seu povo, Shuri incorpora o herói — agora heroína — em busca de saciar a sede de vingança que toma seu corpo após tantas tragédias desafiarem sua capacidade de ser benevolente, o que fica claro quando ela diz a M’Baku (Winston Duke) que não pode mais seguir seu coração, pois ele simplesmente deixou de existir dentro dela.

Quantas mulheres negras reais, que passaram a vida enterrando seus entes queridos, não diriam o mesmo?

Mas é na união inabalável com outras mulheres do reino que Shuri encontra forças para superar os sentimentos ruins, recuperar a conexão com seus ancestrais e fazer o que é certo, finalmente encontrando sua paz.

Se o primeiro “Pantera Negra” sonhava com uma nação onde a negritude era finalmente livre para atingir seu máximo potencial, trazendo à tona o sentimento de “pretos no topo” que nos faz levantar a cabeça e ir em busca do que é nosso, sua sequência, afetada por uma tragédia inevitável, traz para o tabuleiro a maneira como só mulheres negras vão ao resgate umas das outras no momento em que a dor se torna profunda demais.

É a corda sempre estourando no lado feminino da comunidade, seja por uma doença que só chega ao conhecimento da mulher quando a morte é inevitável, seja pela falta de apoio que não o de outra mulher agonizando em dor semelhante na hora de superar o luto.

Antes de “pretos no topo”, é preciso que nós, homens negros, reflitamos sobre isso.

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