O presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), está com a corda no pescoço para aprovar um orçamento extra que viabilize as principais promessas econômicas da campanha dele, como a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 e o reajuste do salário mínimo com ganho real. Ciente de que vai precisar do apoio do Congresso Nacional, Lula cogita recorrer até ao orçamento secreto para garantir os votos necessários que lhe permitam gastar mais no ano que vem.
Orçamento secreto é o nome pelo qual ficaram popularmente conhecidas as chamadas emendas de relator, que são controladas pelo parlamentar escolhido pelo Congresso para elaborar o parecer da LOA (Lei Orçamentária Anual). Todos os deputados e senadores podem sugerir ao relator qual deve ser a destinação desses recursos. Contudo, não existe uma regra específica para a aplicação dessas emendas. Dessa forma, não há uma distribuição igualitária das verbas e, na maioria das vezes, não é possível saber o nome do parlamentar que registrou o pedido, tampouco o destino desses recursos.
Ao longo da campanha eleitoral, criticar o orçamento secreto foi uma das armas de Lula contra o presidente Jair Bolsonaro (PL). O petista reclamou, principalmente, do caráter sigiloso desses recursos e prometeu que daria fim às emendas de relator. O petista dizia que controlar o Orçamento deve ser uma tarefa do Poder Executivo, e não do Legislativo.
Durante a campanha Lula atacou o orçamento secreto e o Congresso. “O Congresso Nacional nunca esteve tão deformado como está agora. Nunca esteve tão antipovo, tão submisso aos interesses antinacionais. É talvez o pior Congresso que já tivemos na história do Brasil”, afirmou Lula em um dos compromissos da campanha eleitoral.
Grande aliada de Lula no segundo turno, a ex-candidata presidencial e senadora Simone Tebet (MDB-MS), hoje cotada para fazer parte do corpo ministerial do presidente eleito, chegou a declarar que o orçamento secreto pode ser “o maior esquema de corrupção do planeta Terra”.
No entanto, logo na primeira semana depois de vencer as eleições, a equipe de Lula que vai negociar com o Congresso a liberação de mais dinheiro notou que o orçamento secreto é um tema sensível aos parlamentares. Os integrantes do novo governo devem formalizar o pedido de recursos extras apenas na próxima semana, mas já foram alertados de que, se mexerem nas emendas de relator, a proposta pode não seguir adiante.
Portanto, por mais que tenha se manifestado contra a ferramenta nos últimos meses, Lula não deve promover alterações tão expressivas no orçamento secreto. Um caminho para resolver a questão pode estar nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). O governo de transição, inclusive, já teria deixado essa tarefa para a Corte, que pode julgar ainda neste ano uma ação pendente sobre o assunto e declarar as emendas inconstitucionais.
Pontos negativos
Para o economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da entidade Contas Abertas, as emendas são historicamente moedas de troca entre o Legislativo e o Executivo e o que Lula mais precisa neste momento é, justamente, de um instrumento de barganha para construir um relacionamento político favorável. “Lula chegou a criticar, chamar de escárnio, mas existe um problema de relacionamento político, e o linguajar que conhecem é esse, é como sabem negociar”, avalia.
De todo modo, Castello Branco frisa que dar continuidade ao orçamento secreto pode ser prejudicial. “A princípio, pouca diferença faria saber quem está indicando e quanto está indicando para construir uma quadra, se isso estiver dentro dos parâmetros legais e técnicos. Mas, como não há critério, o parlamentar indica para onde ele quer, onde tem interesse, colégio eleitoral; isso, na verdade, cria uma desigualdade social e competitiva politicamente falando”, critica.
Professor e doutor em economia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Geraldo Biasoto Junior ressalta que o orçamento secreto compromete a eficiência da máquina pública. “A divisão dos recursos não tem uma mínima coerência. A indicação é apenas política, não há um crivo técnico. Sendo assim, além de o gasto do dinheiro público ser ruim, abre-se um campo muito grande para a malversação de recursos”, destaca.
Na avaliação dele, governo federal e Congresso precisam encontrar outra forma de deputados e senadores poderem participar da indicação de recursos do Orçamento. “As emendas de relator não têm sentido dentro do ordenamento jurídico e institucional brasileiro. É um absurdo que elas existam. Precisamos, sim, de um espaço dentro do Orçamento para o Congresso indicar coisas que devem ser feitas, mas não da forma obscura que acontece atualmente.”