Depois de passar 363 dias na prisão, o produtor cultural Ângelo Gustavo Pereira Nobre, de 30 anos, foi inocentado durante uma audiência virtual do Quarto Grupo de Câmaras Criminais do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) na noite de terça (31).
“Eu vivi toda a logística da cadeia, tive a minha liberdade retirada por um crime que eu não cometi. Foi triste, foi duro”
Ângelo Gustavo Pereira Nobre, produtor
Preso em 2 de setembro de 2020, Gugu, como Nobre é conhecido, foi acusado de participar do roubo de um carro em 2014 no bairro do Flamengo, zona sul do Rio. Na época, ele se recuperava de uma cirurgia invasiva nos pulmões, que foi realizada depois dele ser diagnosticado com pneumotórax espontâneo. Mesmo assim, ele foi preso após ser reconhecido por uma vítima do assalto, que se baseou em uma foto no Facebook.
A sessão virtual do julgamento foi acompanhada pela família e amigos do produtor, que se reuniram na casa de sua mãe, Elcy Leopoldina. Todos comemoraram a decisão pela absolvição por quatro votos a três.
Em seu voto, a desembargadora Maria Angélica Guerra Guedes levou em conta o problema de saúde de Nobre e mencionou o relato da família de que, no momento do roubo, ele estava em uma missa de sétimo dia em homenagem a um dos melhores amigos. Durante o evento, ele teve de ser carregado.
“A ninguém interessa a condenação de um inocente, afinal, quando deixamos que um cidadão cumpra pena por um crime que não cometeu, somos forçados a reconhecer que o sistema de Justiça falhou. Impossível conceber um Estado Democrático de Direito que não tenha o bem comum como pressuposto e, ao mesmo tempo, objetivo. Privar um cidadão inocente de sua liberdade sem dúvida atenta contra o bem comum, e fere a segurança jurídica, conquanto legítima injustiça”,
Maria Angélica Guerra Guedes, desembargadora do TJ-RJ
Acusação
No ano passado, Nobre foi condenado, em segunda instância, a seis anos de prisão. Como recurso, sua defesa pediu a revisão do processo. A família e a Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) afirmavam que ele era inocente e listaram uma série de erros e falhas no reconhecimento fotográfico feito durante a investigação do caso.
“Tentamos provar de todas as formas que não era eu, mostramos a comprovação da minha cirurgia, os laudos. Tudo isso foi completamente ignorado no processo”, conta o produtor.
De acordo com os fatos narrados em juízo, homens em três motos participaram do assalto a um motorista na Praia do Flamengo, em 27 de agosto de 2014. O carro só foi localizado dois meses depois em endereço próximo. Dentro do veículo, estavam documentos de outro homem que virou réu no processo após ter sido identificado pela polícia.
O produtor só soube que estava respondendo a um processo criminal quando recebeu uma intimação um ano depois. A prisão preventiva chegou a ser decretada no mesmo ano, mas foi revogada porque a Justiça entendeu que o tempo necessário para o processo ser concluído já havia sido extrapolado.
O reconhecimento fotográfico foi a única prova contra ele, e que foi contestada pela defesa durante todo o processo, junto ao fato de Nobre estar se recuperando de uma cirurgia e estar na missa em homenagem ao amigo falecido no dia do crime.
Liberdade
Após a absolvição, a reportagem do UOL conseguiu falar com Nobre entre uma comemoração e outra com a família e os amigos. Ele falou sobre o ano em privação de liberdade, cumprido parte no Presídio ISAP Tiago Teles de Castro Domingues, em São Gonçalo, parte no Presídio Romeiro Neto, em Magé.
“Eu não queria que minha mãe, minha filha fossem lá me ver. Ali não era lugar para mim, muito menos para elas”
Ângelo Gustavo Pereira Nobre, produtor
Ângelo Gustavo enfatizou a saudade da família, dos amigos e, principalmente, da filha de sete anos. Durante o período em que ficou preso, a filha se mudou para a França com a mãe. A despedida foi feita por uma chamada de vídeo.
“Tive que ligar por vídeo, me despedir e explicar o que estava acontecendo de forma didática, simples, de um jeitinho que ela pudesse entender. Mesmo sendo nova, ela é muito inteligente, esperta e compreendeu a situação. Graças a Deus, ela tem uma mãe muito boa que tornou esse período um pouco mais leve”, conta.
No Romeiro Neto, Nobre também passou um período na ala dos detentos que trabalhavam na instituição, exercendo funções de serviços gerais para a manutenção da prisão, como pintura e limpeza – o que lhe proporcionou acomodações um pouco melhores do que as tinha no primeiro presídio.
Agora em liberdade, o produtor pretende visitar a filha o quanto antes para “matar a saudade”. Já deu entrada para obter o passaporte. Perguntado se pretende processar o Estado pela condenação indevida, ele diz que isso não faz parte de seus planos agora.
“Por enquanto, só quero curtir minha família, meus amigos. Já tem trabalho rolando pra mim no final do ano e eu estou muito agradecido por tudo isso. Mas eu acredito que esse tipo de coisa tem que ser analisado com muita calma. Quero só seguir minha vida e aproveitar minha liberdade”, disse o produtor.