A Caixa Econômica Federal, um banco estatal, está segurando a divulgação do montante concedido em empréstimo consignado para beneficiários do Auxílio Brasil entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais. A linha de crédito é alvo de uma representação no TCU (Tribunal de Contas da União) por possível finalidade eleitoral.
O consignado do Auxílio Brasil foi iniciado nove dias depois do primeiro turno, em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) teve seis milhões de votos a menos que Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O governo federal aumentou em pelo menos R$ 21 bilhões os repasses de dinheiro direto para eleitores, desde agosto, mês de início da campanha, segundo cálculos do UOL. Os números incluem o valor de R$ 1,8 bilhão do consignado da Caixa liberado apenas nos três primeiros dias de operação, de 11 a 13 de outubro — o único dado divulgado até agora pelo banco. Desde então, passaram-se quinze dias de concessão contínua de novos empréstimos, sem transparência.
Procurada desde 20 de outubro pelo UOL, a Caixa respondeu na noite de quinta-feira (27) que “oportunamente” divulgará o volume de dinheiro emprestado. A previsão é que os dados sejam fornecidos apenas após o segundo turno.
Oportunamente, a Caixa vai apresentar o balanço do Consignado Auxílio”
Nota da Caixa ao UOL
O alto volume de empréstimos nos três primeiros dias de operação motivou uma representação do Ministério Público do TCU. “Não seria desarrazoado supor que o verdadeiro propósito dessas ações seja o de beneficiar eleitoralmente o atual presidente da República e candidato à reeleição”, avaliou o órgão em 20 de outubro.
Segundo a Caixa, o app CaixaTem, por onde são movimentados os depósitos do Auxílio Brasil e realizados os pedidos de empréstimo, teve acesso recorde em outubro. Foram mais de 200 milhões de acessos, dez vezes o tráfego regular, o que dá a dimensão da procura pelo consignado.
Entidade cobra presidente da Caixa
A falta de transparência da Caixa é criticada por especialistas ouvidos pelo UOL. Para o presidente da ONG de transparência Contas Abertas, Gil Castelo Branco, a recusa em fornecer dados atualizados contrasta com a divulgação inicial feita pela própria Caixa.
É dinheiro nosso: quem está emprestando não é a Caixa, somos nós. Uma interpretação cabível para a Caixa não estar divulgando as informações é porque acha que pode comprometer ou prejudicar essa reta final da campanha [de Bolsonaro]”
Gil Castelo Branco, presidente da ONG Contas Abertas
Bruno Brandão, diretor da Transparência Internacional Brasil, avalia que o caso do consignado é só mais um exemplo das negativas de informações do governo Bolsonaro para evitar má repercussão política. O especialista vê “sigilos abusivos” na atual gestão.
Essa informação poderia revelar a escala de um benefício altamente questionável do ponto de vista técnico e legal no período eleitoral”
Bruno Brandão, da Transparência Brasil
O advogado Bruno Morassutti, fundador da agência especializada em transparência Fiquem Sabendo, considera que a Caixa deveria fornecer as informações. “A Caixa é um banco público, cujo único acionista é a União. Certamente, tem esses números com atualização diária. Na minha opinião, o banco não fornece os dados porque não quer, o que sinaliza má vontade”.
O Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, que reúne 30 organizações da sociedade civil em defesa da Lei de Acesso a Informações (LAI) e da transparência pública, enviou nesta sexta-feira (28) uma carta para a presidente da Caixa, Daniella Marques, pedindo que “publique imediatamente” os dados, com atualização constante.
O descumprimento do princípio da publicidade compromete a confiança dos cidadãos e das cidadãs na instituição e impossibilita o controle social das ações do poder público. É, portanto, inaceitável”
Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, em carta para a presidente da Caixa
Para a entidade, a recusa em fornecer as informações contraria a LAI e também entendimento anterior do STF (Supremo Tribunal Federal).
Valor atual pode passar de R$ 5 bilhões
Na segunda-feira (24), o TCU recomendou que a Caixa, “por prudência, cesse imediatamente a liberação de novos valores a partir de empréstimos nessa modalidade como medida de zelo com o interesse público”, até a análise dos documentos pelo tribunal.
Segundo a Caixa, porém, os empréstimos nunca deixaram de ser feitos. Os interessados podem submeter pedidos para avaliação a qualquer momento.
Esta semana, no entanto, devido ao alto número de pedidos, o prazo de processamento do pagamento foi ampliado para cinco dias úteis. Desta forma, diz a Caixa, não foram feitos novos depósitos desde segunda-feira.
A Caixa informou ao TCU que, entre 11 e 21 de outubro, o volume de Consignado Auxílio liberado foi de R$ 4,3 bilhões, segundo o jornal O Globo. Essa informação não foi prestada à sociedade.
Não se sabe o montante liberado até hoje, quantas pessoas receberam os empréstimos, qual a média do valor do empréstimo, de parcelas e muito menos o nome das pessoas que obtiveram essas quantias. Também não se sabe quanto foi liberado por outros bancos.
Em julho, Bolsonaro criou Medida Provisória
O consignado do Auxílio Brasil foi criado por uma medida provisória de Bolsonaro, aprovada em julho pelo Congresso. O início da operação, no entanto, só ocorreu em outubro, depois do primeiro turno.
Pelas regras, beneficiários do Auxílio Brasil podem obter até R$ 2.569 em créditos, com prazo de pagamento de dois anos. As parcelas são descontadas de forma automática do benefício, no valor máximo de R$ 160 mensais.
Uma crítica ao modelo é que não é possível garantir que a pessoa continuará a receber o Auxílio no prazo de quitação das parcelas, o que pode aumentar a inadimplência. O UOL ouviu essa preocupação inclusive de funcionários da Caixa.
Outra crítica é o valor da taxa de juros — no caso da Caixa, o índice é de 3,45% ao mês, o que equivale a mais de 50% ao ano, acima do aplicado em outras modalidades de crédito consignado.
O Auxílio Brasil tem 21,1 milhões de beneficiários. Isso significa que, se todos buscarem obter empréstimos, poderão ser desembolsados mais de R$ 40 bilhões, segundo estimativa de um funcionário da área econômica ouvido pela reportagem.
A Caixa é o único grande banco do país — e o único estatal — que aderiu ao consignado do Auxílio Brasil. Outras instituições financeiras privadas de menor porte também estão operando a linha de crédito.
Uma delas é a Zema Financeira, do aliado do presidente e governador reeleito de Minas, Romeu Zema (Novo). O patrimônio dele cresceu 47% nos últimos quatro anos.