Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.197, que extingue a Lei de Segurança Nacional e incorpora ao Código Penal a punição a crimes contra o estado democrático e de direito. A sanção foi publicada nesta madrugada no Diário Oficial. O presidente não seguiu, assim, a orientação de parte da milicada, que era contra a revogação da LSN. Talvez fosse, sei lá, alguma relação fetichista da turma com o texto. Afinal, a punição à subversão da ordem democrática foi incorporada ao CP, e aquela era uma lei da ditadura. Pronto! Descobri o motivo.
Bolsonaro vetou aspectos essenciais da lei. E espero que o Congresso tenha a decência de derrubar o veto, o que se faz por maioria absoluta: aos menos 257 votos na Câmara e 41 no Senado. Vamos ver.
O texto aprovado pelo Senado está aqui. O publicado no Diário Oficial se encontra neste link. Abaixo, reproduzo os trechos vetados e comento.
PRIMEIRO VETO
“Art. 359- O Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos capazes de comprometer o processo eleitoral:
Pena: Reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e multa.”
A quem interessa esse veto? Aos profissionais da desinformação. Trata-se de punir fatos que o disseminador sabe “inverídicos”. Sim, dirão vocês, seria como Bolsonaro defender a punição a si mesmo. Todos sabemos que o presidente merece mesmo ser punido. E é por isso que esse veto tem de cair.
Na forma como a lei foi aprovada, a sua discurseira irresponsável e mentirosa contra as urnas eletrônicas passa a incidir no Código Penal. É evidente que o presidente está tentando defender a suposta liberdade que ele e seus seguidores têm de espalhar “fake news” sobre o sistema eleitoral.
SEGUNDO VETO
Art. 359-Q. Para os crimes previstos neste Capítulo, admite-se ação privada subsidiária, de iniciativa de partido político com representação no Congresso Nacional, se o Ministério Público não atuar no prazo estabelecido em lei, oferecendo a denúncia ou ordenando o arquivamento do inquérito.
O capítulo a que se refere o artigo citado tem o seguinte título: “DOS CRIMES CONTRA O FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS NO PROCESSO ELEITORAL”. Notem que a lei aprovada pelo Congresso permite que um partido político recorra à Justiça para punir o criminoso se, por qualquer razão, o Ministério Público se mostrar omisso.
“Ah, Reinaldo, mas pode ocorrer de o Ministério Público se omitir diante de um crime?” Bem, meus caros, respondam vocês mesmos. Também esse veto tem de cair. Estamos falando de agressões às instituições que ameaçam a própria ordem democrática.
Nesse caso, a ação subsidiária da pública se torna um instrumento de defesa da cidadania. E é por isso que Bolsonaro se opõe. A coisa vai piorar.
TERCEIRO VETO
CAPÍTULO V DOS CRIMES CONTRA A CIDADANIA
Atentado a direito de manifestação
Art. 359-S. Impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 1º Se resulta lesão corporal grave:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
§ 2º Se resulta morte:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
A menos que Jair Bolsonaro esteja pensando em criar a versão nativa da SA — a milícia nazista liderada pelo troglodita Ernst Röhm, depois assassinado a mando de Hitler — para cobrir de porrada os adversários, me digam: que sentido faz vetar o que vai acima?
Seria já uma antevisão dos “Camisas Negras” do fascismo, mas trajados de verde-amarelo? Temos, então, um presidente que, em nome da liberdade de expressão, veta um dispositivo da lei que pune “fake news” — o que já é notavelmente delinquente —, mas que se opõe a quem impede que pessoas se manifestem livre e pacificamente?
O primeiro veto caracteriza o compromisso do presidente com a mentira; o segundo, com a desídia e a prevaricação, e o terceiro, com a violência explícita.
Isso já não é um veto, mas um escândalo.
QUARTO VETO
Aumento de pena
Art. 359-U. Nos crimes definidos neste Título, a pena é aumentada:
I – de 1/3 (um terço) se o crime é cometido com violência ou grave ameaça exercidas com emprego de arma de fogo;
II – de 1/3 (um terço), cumulada com a perda do cargo ou da função pública, se o crime é cometido por funcionário público;
III – de metade, cumulada com a perda do posto e da patente ou da graduação, se o crime é cometido por militar.
Também nesse caso, trata-se de um flerte com a barbárie.
O Inciso I, claro!, mexe com a tara armamentista de Bolsonaro. Afinal, para ele, não há de haver diferença entre ameaçar o estado democrático sem arma ou com ela. Para o nosso filósofo, o trabuco é uma extensão do corpo humano.
O Inciso II, por óbvio, permite que delinquentes como os integrantes do “Gabinete do Ódio” sejam eventualmente protegidos de uma majoração de pena se pegos com a boca na botija.
E o Inciso III, como resta evidente, flerta com a politização das forças militares, um esforço permanente, na sua luta liberticida contra a democracia.
CONCLUO
Derrubar os quatro vetos de Bolsonaro é fundamental se queremos devolver a fascistada para as catacumbas.
Veto já!