O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) adotou linha mais dura contra as fake news na reta final das eleições e passou a utilizar o combate à “desordem informacional” como uma das teses para ampliar a intervenção nas redes sociais e na propaganda eleitoral.
Sob esse tipo de justificativa, os ministros mandaram apagar publicações baseadas em reportagens jornalísticas. Nos casos em que há maior divergência entre os ministros sobre o tema, vem se consolidando um placar de 4 a 3 no plenário da corte a favor da retirada.
Internamente, integrantes do tribunal se queixam da omissão da Procuradoria-Geral Eleitoral. A essa altura da campanha presidencial, o órgão apresentou apenas uma representação de impacto relacionada à desinformação —quando pediu multa a Jair Bolsonaro (PL) por ele ter atacado as urnas diante de embaixadores estrangeiros.
A Procuradoria não tem acionado o tribunal para contestar o uso da máquina pública na campanha bolsonarista ou sobre a desinformação espalhada na disputa eleitoral.
Dentro da nova postura da corte, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, emplacou na quinta-feira (20) uma resolução que aumenta os poderes contra a desinformação e reduz prazos para as plataformas apagarem conteúdos. A PGR (Procuradoria-Geral da República) pede a derrubada do texto e fala em censura.
A tese do combate à “desordem” não é inédita, mas ganhou força dentro do TSE a partir do último dia 13, quando o ministro Lewandowski citou o termo ao votar pela retirada do ar de publicação da produtora Brasil Paralelo. O vídeo derrubado associava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a casos de corrupção que ocorreram durante o seu governo, como o do mensalão.
“Considero grave a desordem informacional apresentada. Estamos diante de um fenômeno absolutamente novo, da desinformação, que vai além da fake news”, disse Lewandowski no caso. “O cidadão comum não está preparado para receber esse tipo de desordem informacional”, afirmou ainda.
Ele foi acompanhado por Alexandre de Moraes e pelos ministros Benedito Gonçalves (corregedor-geral da Justiça Eleitoral) e Cármen Lúcia. Essa tem sido a composição do grupo que entende que o tribunal deve ser mais duro no combate às fake news.
Na mesma ação, Moraes afirmou que o tribunal não deve considerar como barreira se o conteúdo impugnado por fake news tiver como origem uma reportagem da imprensa tradicional. “As notícias fraudulentas, ou fake news, não são primazia só das redes sociais, também existem na mídia tradicional”, disse ele.
Moraes declarou que uma nova geração de fake news ganhou força no segundo turno. Ele afirmou que, nesses casos, há manipulação de informações com “premissas verdadeiras” para chegar a conclusões falsas. Também disse que há uma espécie de aluguel da mídia tradicional para espalhar fake news.
“A partir disso, as campanhas replicam as fake news dizendo: ‘Não, mas isso é uma notícia que saiu”, completou o presidente do TSE.
Do lado oposto ao grupo que tem formado maioria, têm sido derrotados os ministros Carlos Horbach, Sérgio Banhos e Maria Claudia Bucchianeri, ligados à advocacia, além de Paulo Sanseverino e Raul Araújo, que são do STJ. Eles se revezam nas votações conforme o relator do caso.
Entre integrantes do tribunal, a ampliação da atuação da corte contra a disseminação de desinformação e ataques entre candidatos é creditada, em parte, a Moraes, que tem perfil centralizador. Ele é reconhecido por ser hábil nas negociações de bastidores para impor sua agenda à frente do tribunal.
O ministro mantém diálogo frequente com os demais integrantes do TSE e procura estabelecer consensos mínimos antes de os debates serem travados em plenário a fim de evitar derrotas, dizem integrantes da corte.
O TSE já tomou dezenas de decisões relacionadas às fake news. A campanha de Lula é a que mais aciona a corte para retirar conteúdos desse tipo que são divulgados por Bolsonaro ou seus apoiadores.
O tribunal ainda passou a aprovar direitos de resposta dos candidatos, o que deve mudar o roteiro da propaganda em rádio e TV na última semana antes do segundo turno.
Para Ademar Borges, professor de direito constitucional do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), em tese, é possível se provocar uma “distorção do ambiente informacional” a partir de informações verdadeiras.
“Mas é preciso ter muito cuidado [ao decidir retirar conteúdos]”, disse ele, que lembrou que utilizar esse tipo de argumento na Justiça Eleitoral não é inédito.
Borges também afirmou que a resolução aprovada nesta semana pelo TSE para endurecer as regras sobre o combate às fake news tem como foco os ataques ao sistema eleitoral.
“O texto dá um tratamento destacado e particularizado para a desinformação contra a integridade do processo eleitoral, para separá-la da desinformação que tradicionalmente a gente chama de fake news, de um candidato contra o outro”, disse o professor.
A resolução indica que o TSE poderia atuar de ofício, ou seja, sem ser provocado pelo Ministério Público ou por partidos para a derrubada dos conteúdos, suspensão de perfis e até o acesso a redes sociais.
“Se esse poder de polícia já existia para irregularidades mais tradicionais, com maior razão deve existir para tutelar a integridade do processo eleitoral. Não é nada tão inovador, mas é uma explicitação importante”, disse Borges.
Ministros com atitude menos intervencionista têm explicitado que acabam tomando decisões, como de retirada de publicações ou para conceder direito de resposta, para seguir a tese consolidada pelo colegiado.
A ministra Bucchianeri, por exemplo, afirma em votos que defende o “minimalismo judicial em tema de intervenção no livre mercado de ideias políticas”.
Ela aponta, porém, que o plenário da corte firmou orientação de “atuação profilática da Justiça Eleitoral”, especialmente sobre qualquer tipo de comportamento “passível de ser enquadrado como desinformativo” e “flagrantemente ofensivo”.
“Ante todo o exposto, ressalvo meu entendimento pessoal sobre o conteúdo aqui questionado, submeto-me ao olhar do colegiado e julgo procedente a representação”, escreveu a ministra ao conceder direito de resposta a Lula em inserções na TV na última quarta-feira (19).
A possível “desordem informacional” ainda foi citada como base de decisões recentes do corregedor-geral do TSE.
Em pedido da coligação de Lula para desarticular uma suposta rede de fake news ligada a Bolsonaro, Gonçalves falou em “caos informacional” e mandou desmonetizar páginas do YouTube, além de vetar o lançamento antes das eleições de um documentário da Brasil Paralelo. O vídeo levantaria tese distinta daquela encontrada pela PF (Polícia Federal) sobre a facada sofrida pelo chefe do Executivo.
Em outro caso, o corregedor citou a tese ao aceitar pedido da campanha de Bolsonaro para passar a investigar se o deputado federal André Janones (Avante-MG), um dos articuladores da campanha de Lula nas redes sociais.
“Sem perder de vista as condições de exercício legítimo da liberdade de opinião no contexto do pleito de 2022, é premente, em defesa na normalidade eleitoral, firmar balizas para o uso da internet por candidatos e apoiadores com vistas à redução da “desordem informacional” nas eleições”, escreveu Gonçalves no despacho.