A campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) planeja rever um decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL) que liberou militares da ativa para ocupar cargos públicos por tempo indeterminado, caso o petista vença a eleição.
A ideia é determinar um período máximo em que o fardado possa ocupar uma vaga de natureza civil, sob pena de ter de ir para a reserva caso queira permanecer na função.
Não há uma fórmula fechada sobre como seria a nova regra, mas a ideia é não dar prejuízo às Forças Armadas em áreas finalísticas —isto é, que os militares priorizem a atuação em temas ligados à Defesa.
Na prática, a ideia do PT é retomar, pelo menos em alguma medida, o antigo Estatuto dos Militares, segundo o qual os oficiais teriam de passar para a reserva se ficassem por mais de dois anos em cargos de natureza civil.
A mudança ocorreria em meio a uma lógica já propagada em discursos por Lula de “despolitizar” as Forças.
O ex-presidente já afirmou que quer um civil no comando do Ministério da Defesa a pretende tirar “quase 8.000 militares de cargos comissionados”.
“Eu sou favorável a um civil como ministro da Defesa. [Isso é] muito claro […] Pode ficar certo que será um ministro da sociedade civil, não será um militar”, disse em 27 de julho.
Apesar da atuação nessa frente, a campanha trata as pautas ligadas a militares com cautela e não pretende fazer mudanças em temas considerados sensíveis aos fardados em um eventual início da gestão petista.
Pelo contrário, existe uma preocupação na campanha de Lula com a necessidade de manter a harmonia com as Forças.
Generais da ativa e da reserva ouvidos pela Folha afirmam que existe um temor nas Forças Armadas de que Lula, se eleito, realize mudanças em três pontos cruciais para os fardados: as regras de aposentadoria, o currículo de formação dos militares e os critérios para promoção de oficiais.
A avaliação do generalato, no entanto, não tem como base conversas com interlocutores da campanha petista, que são escassas. O principal argumento é que um documento do PT de 2016, quando o partido tentava analisar a conjuntura política para a queda de Dilma Rousseff, incluiu como falhas dos mandatos petistas a manutenção dos currículos e as escolhas para promoção de oficiais.
“Fomos igualmente descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria […] modificar os currículos das academias militares e promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista”, diz trecho do documento.
Apesar da análise de 2016, articuladores da campanha de Lula afirmam que não há nenhuma discussão sobre os pontos levantados pelos generais e classificam os receios expressados pelos militares como “espantalhos”.
O Ministério da Defesa terá de atualizar a Estratégia Nacional de Defesa em 2024, e a avaliação de interlocutores da campanha petista é que qualquer discussão mais profunda será feita nesse contexto.
Os aliados de Lula ligados às Forças Armadas avaliam que uma das primeiras e principais medidas será recuperar a capacidade de investimento da Defesa –seja por meio do orçamento discricionário das Forças Armadas ou por linhas de crédito via BNDES específicas para investimento na Base Industrial de Defesa brasileira.
Nesse contexto, a campanha petista elenca como prioridade aumentar o investimento em projetos considerados estratégicos às Forças Armadas, como o Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras), o KC 390 e acelerar o calendário de entrega dos caças Gripen.
A avaliação no comitê petista é que os militares passaram a servir de mão de obra para o Executivo e perderam o sentido estratégico inerente às próprias Forças Armadas.
A ideia entre os aliados de Lula é manter um clima harmônico com os militares. A escolha do ministro da Defesa, por exemplo, é considerada estratégica.
Um dos nomes mais citados para chefiar a pasta é o de Geraldo Alckmin (PSB). O fato de ele ser candidato a vice-presidente é visto como uma forma de prestigiar os militares e repetir a fórmula de José de Alencar, que ocupou a pasta enquanto era vice de Lula, considerada bem-sucedida.
Além disso, por ter sido do PSDB, Alckmin se aproveita da boa relação estabelecida entre o tucanato e setores das Forças. Os nomes dos generais do Alto Comando do Exército Richard Nunes (comandante Militar do Nordeste) e Tomás Miguel Paiva (comandante Militar do Leste) costumam ser citados, já que foram ajudantes de ordens da Presidência nas gestões tucanas.
A campanha, porém, não tem mantido interlocução com o Alto Comando do Exército. O comandante da Força, general Freire Gomes, deu ordem aos demais pares para que não se envolvam em conversas com campanhas políticas.
O nome de Alckmin é defendido para ocupar o ministério por uma ala de aliados de Lula e também por ex-ministros da pasta, como Raul Jungmann. Este chegou a conversar com o ex-governador e disse que ele seria um bom ministro da área.
Há entre aliados do ex-presidente e do próprio ex-governador, porém, quem rechace essa proposta, por avaliar que o ideal é mantê-lo livre, atuando em várias frentes.
A ideia de que Lula nomeie Alckmin na Defesa já foi levada ao ex-presidente que, segundo relatos, não se manifestou –nem disse concordar, nem rechaçar a possibilidade.