Uma das primeiras prefeitas do Afeganistão conseguiu fugir em meio ao caos no aeroporto de Cabul.
A tomada de Cabul pelo Talibã foi um momento assustador para Zarifa Ghafari, uma das primeiras prefeitas do Afeganistão.
Quando os extremistas chegaram à capital, Ghafari se deu conta de que sua vida corria sério perigo. Poucos dias depois ela fugiu com sua família para a Alemanha, onde contou à BBC como conseguiu deixar seu país natal.
Ghafari, de 29 anos, era uma autoridade pública proeminente e defensora dos direitos das mulheres no Afeganistão. Ela diz que isso a tornava uma ameaça ao Talibã, conhecido por oprimir mulheres em seu primeiro governo no país nos anos 1990. “Minha voz tem o poder que nenhuma arma tem”, diz ela.
A segurança vinha sendo uma preocupação constante para ela nos últimos anos. A jovem sobreviveu a vários atentados contra sua vida desde 2018, quando se tornou prefeita de Maidan Shar, aos 26 anos. Apesar de sua vitória, grande parte da população da cidade era muito conservadora e apoiava o Talebã.
No início, Ghafari se manteve em seu posto e desafiou o regime que começava a tomar conta do país, mesmo temendo a morte durante a rápida tomada de poder pelo grupo fundamentalista. Mas rapidamente esse otimismo se transformou em desespero.
Ghafari foi aconselhada a se mudar de sua casa – preocupação que se mostrou realista quando combatentes do Talibã apareceram em sua casa e espancaram seu segurança.
As ameaças culminaram na morte de seu pai, no ano passado. Ele era um membro sênior do exército afegão e Ghafari suspeita que ele tinha inimigos no Talibã.
Quando o Talibã assumiu o poder em meados de agosto, Ghafari decidiu que havia chegado a hora de deixar o país.
Em 18 de agosto, ela providenciou um carro para levá-la com sua família ao aeroporto de Cabul. Ela se escondeu embaixo do banco de trás do carro, para se proteger do Talibã quando o carro passava por postos de controle dos militantes.
“Quando chegamos ao portão do aeroporto, havia combatentes do Talibã por toda parte”, diz ela. “Eu estava me esforçando para ficar escondida”
No aeroporto, o embaixador turco em Cabul a ajudou a embarcar em um voo para Istambul. De lá, ela e sua família voaram para a Alemanha.
“Quando perdi meu pai, achei que nunca mais me sentiria tão mal na vida”, diz ela. “Mas quando embarquei no avião para deixar meu país, foi mais doloroso do que perder meu pai.”
O dia em que Cabul foi tomada foi o pior momento de sua vida, diz ela.
“Nunca vou conseguir lidar com a dor em meu coração. Nunca planejei deixar meu país”, afirma.
‘As forças estrangeiras não vão nos ajudar’
Ghafari agora está na cidade alemã de Düsseldorf, onde considera que está mais segura. Ela reconhece que teve sorte, pois as cenas no aeroporto de Cabul foram se tornando cada vez mais caóticas e perigosas.
A jovem líder política diz que pretende se encontrar com líderes mundiais para chamar a atenção para a vida dos afegãos que vivem sob o domínio do Talibã.
Ela diz que está disposta a dialogar com o Talebã, mesmo que não confie no grupo – especialmente em relação aos direitos das mulheres.
“As forças estrangeiras não estão indo nos ajudar. Precisamos resolver os problemas com o Talebã, e eu estou pronta para assumir essa responsabilidade”, diz ela.
Quando o Talebã tomou controle do Afeganistão pela primeira vez, entre 1996 e 2001, o regime impôs uma versão ultraconservadora e extremista da Sharia, a lei islâmica que rege a vida dos muçulmanos. As mulheres eram proibidas de estudar e trabalhar.
Na semana passada, um porta-voz do Talebã, Zabihullah Mujahid, disse que sob o regime as mulheres “serão muito ativas na sociedade, mas dentro da estrutura do Islã”.
Ghafari, no entanto, não acredita na sinceridade dessas palavras. “As palavras deles nunca combinam com suas ações”, diz ela.
Ela espera poder voltar ao Afeganistão um dia, quando for seguro. “Esse é meu país, eu o construí. Lutei por anos para construí-lo”, diz ela.
Ao partir, Ghafari levou um pouco do solo arenoso do Afeganistão com ela. “Eu gostaria de devolver a pequena quantidade de areia que tirei do meu país de volta para o lugar dela.”