Onde estarão os instrumentos dos artistas brasileiros? – 23/09/2022 – Gustavo Alonso

O colunista Ruy Castro já manifestou sua indignação em vários textos aqui nesta Folha acerca do paradeiro de ilustres instrumentos musicais de grandes artistas nacionais. Por onde andaria a flauta e o saxofone de Pixinguinha? Onde ressoa o violão de Garoto? Eu adiciono: e as violas de Tião Carreiro e Tinoco? E os violões de Inezita Barroso, Adauto Santos, Tonico? E a sanfona de Mangabinha, do Trio Parada Dura?

Talvez nem mesmo o maior conhecedor da história da bossa nova, Ruy Castro, saiba exatamente quantos instrumentos João Gilberto deixou em 2019. “Cinco ou nove, dependendo da versão —um deles, o Tárrega que a Di Giorgio fabricou só para ele, em 1969. Os violões serão talvez o principal objeto da luta judicial entre seus herdeiros. Ganhe quem ganhar, pelo menos saberemos para onde foram”, escreveu Castro.

A dificuldade de se conhecer o exato paradeiro dos instrumentos dos grandes artistas brasileiros ilustra o quanto esses bens são vistos como patrimônios meramente familiares. E o máximo que se cogita é que sejam estatizados, museificados em instituições públicas.

No Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro há alguns exemplares: o piano-armário de Ernesto Nazareth; o cavaquinho de Waldir Azevedo; o clarinete e sax-tenor de Abel Ferreira; o bandolim de Jacob; o violão de Raphael Rabello. É muito pouco.

Há sanfonas de Gonzaga no museu Cais do Sertão, no Recife, e no museu do Pátio do Forró, em Caruaru (PE). Mas onde estão os pandeiros de Jackson? E as sanfonas de Abdias dos Oito Baixos? Os acordeões de Dominguinhos estão divididos entre familiares e amigos do sanfoneiro como se fossem relíquias privadas, e não bens da cultura brasileira.

O mais curioso é que, como bens familiares, esses instrumentos se tornam meras riquezas entesouradas. São no máximo herança passada de pai para filho. Quando têm sorte, acabam nas mãos de quem os preserva. Mas, à medida que estes instrumentos envelhecem, perdem seu valor e, ao longo do tempo, periga serem esquecidos em algum fundo de armário por um parente descuidado.

Quase não se vê no Brasil um fenômeno que nos Estados Unidos é muito comum: a museificação privada. Um desses museus privados é a casa de Elvis Presley, em Memphis, no estado americano de Tennessee, que pertence até hoje à família do cantor. Trata-se da segunda casa mais visitada do país, só perdendo para a Casa Branca.

Aqui no Brasil o parque Aza Branca, em Exu (PE), foi a última residência de Luiz Gonzaga. Trata-se de um museu privado, mas que sobrevive com muitas dificuldades. As casas do Rei do Baião no Rio de Janeiro, duas no Méier e outra na ilha do Governador, poderiam virar museus.

Ajudariam a dinamizar regiões periféricas da cidade, pouco atendidas por museus e instituições de cultura. Mas quase ninguém nem sequer cogita tal possibilidade, nem o Estado, nem investidores privados.

Por que até hoje não temos um museu da bossa nova? Só um país medíocre e iletrado como o nosso para não tê-lo criado ainda! E aqui não estou apenas reclamando de nossos governantes. Por que a iniciativa privada ainda não se mobilizou? Seria um ótimo lugar para vermos os violões de João Gilberto, por exemplo. Quantos gringos não visitariam tal museu? Estamos comendo mosca.

Enquanto no Brasil nossa burguesia dá de ombros para os potenciais lucros de nossa arte, a iniciativa privada americana consegue ver lucro nas riquezas culturais deles e dos outros. O Hard Rock Café é uma cadeia de restaurantes que une alimentação e museificação.

Quem já foi a um dos vários Hard Rock Cafés espalhados pelo mundo comeu ao lado de guitarras de Eric Clapton, Jimi Hendrix e Santana, violões de David Gilmour e Keith Richards, caixa de bateria do The Who, óculos de John Lennon, entre milhares de outras “memorabilias”.

No Brasil há quatro estabelecimentos do Hard Rock Café: Fortaleza, Gramado (RS), Curitiba e Ribeirão Preto (SP). No que se refere ao rock nacional, os gringos estão se apropriando de nossos valores. No terceiro piso do Hard Rock Café de Curitiba há a guitarra de Rita Lee, exposta ao lado dos instrumentos de seu companheiro, Roberto de Carvalho, e de Xandão, do Rappa.

Se os brasileiros não querem preservar, que ao menos o capital multinacional o faça. Não é o ideal, mas é alguma coisa. Depois não adianta chorar as pitangas contra o “imperialismo malvado”.


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