Bolsonaro só cita Lula uma vez em entrevista que teve tática antifake

Os jornalistas William Bonner e Renata Vasconcellos mostraram no Jornal Nacional desta segunda-feira (22) a técnica mais poderosa no combate à desinformação: o uso de fatos, dados e fontes já na pergunta.

Ao entrevistar o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), os apresentadores embutiram em seus questionamentos números, estatísticas e trechos de documentos, bloqueando eventuais informações falsas e deixando o entrevistado sem saída.

Para quem luta contra a desinformação, um avanço notável frente ao que se viu em 2018. Naquele ano, a bancada do JN ficou de mãos atadas frente a temas absurdos como o “kit gay”.

O estranhamento da entrevista desta noite ficou, no entanto, por conta da ausência de críticas abertas de Bolsonaro ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu principal rival na disputa eleitoral.

Bolsonaro só citou o nome de Lula, candidato pelo PT, uma vez e não o associou diretamente à corrupção ou a crimes – como têm feito seus militantes. Bolsonaro se ateve a dizer que o ex-presidente poderia ter interferido na PF, ao responder pergunta sobre o assunto. Nada mais. Aos olhos de quem esperava críticas contundentes de um ao outro, Lula passou incólume.

Fatos incontestes

Vale relembrar aqui a série de fatos que o telespectador ouviu esta noite – sem qualquer refutação de Bolsonaro.

Ao perguntar sobre economia, por exemplo, Bonner citou – textualmente – uma frase dita pelo presidente na campanha de 2018. “O senhor disse: ‘Eu sei do que o povo precisa: inflação baixa, taxa de juros menor e dólar menor'”. Em seguida, o apresentador elencou três fatos. “Os juros dobraram. A inflação mais do que dobrou. E o dólar que estava a R$ 3,90 está a mais de R$ 5”.

Bolsonaro não tinha como desdizê-lo. Precisou renovar a promessa feita há quatro anos e dizer que, num eventual segundo mandato, manteria os rumos de sua atual política econômica.

Os fatos ficaram lá. Incontestes.

Ao tratar sobre meio ambiente, Renata seguiu o mesmo roteiro. “No seu governo, a taxa anual de desmatamento da Amazônia deu um salto. É a maior em 15 anos”. Em seguida, a apresentadora quis saber se o presidente-candidato manteria a política ambiental vigente se reeleito.

Bolsonaro não negou o desmatamento na região. Nem o índice historicamente ruim. Precisou dizer que há 30 milhões de habitantes vivendo na Amazônia e que o Brasil protege mais seu território do que outros países desenvolvidos. Os dois dados devem ser checados nas próximas horas.

No que diz respeito à aliança com os partidos de Centro, a pergunta de Bonner expôs uma contradição que já deveria ter sido exposta pelos fact-checkers do Brasil. Em 2018, o então candidato ao Palácio do Planalto disse, segundo Bonner, a seguinte frase: “Eu não integro o Centrão”. Há alguns dias, Bolsonaro afirmou: “Eu sempre fui do Centrão. Eu vim do Centrão”.

O presidente tentou escapar por uma tangente léxica para apontar em qual momento os eleitores deveriam acreditar. “No meu tempo não era Centrão. Não existia Centrão”, disse Bolsonaro.

Do ponto de vista de quem cobre desinformação, foi impactante a forma como Bonner reagiu à acusação de ter fabricado uma “fake news” ao dizer que o presidente-candidato havia xingado um ministro do Supremo. Essa não é uma acusação fácil de ser rebatida, apesar de ter virado moda na boca do ex-presidente americano Donald Trump.

Bonner negou a divulgação de uma mentira. Lembrou que Bolsonaro havia xingado o ministro Alexandre de Moraes de “canalha” e acabou conseguindo que o candidato reconhecesse isso.

O único momento que deixou a desejar – no que diz respeito ao combate à desinformação – foi a falta do vídeo de Bolsonaro imitando uma pessoa com dificuldade de respirar em decorrência da covid-19.

Renata disse que o candidato-presidente havia sido gravado fazendo essa encenação, e Bolsonaro negou, sugerindo que o programa exibisse esse momento. Teria sido poderoso o tira-teima. Mas o eleitor ficou sem. No UOL, havia uma das dezenas de versões desse episódio.

Cristina Tardáguila é diretora de programas do ICFJ e fundadora da Lupa

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