Empreendedorismo é o Liberalismo na prática

(*) Por Carlos Alexandre Da Costa

Há exatos três anos, motoristas de aplicativos foram autorizados a se registrar como microempreendedores individuais (MEI). Naquela época, convidei o primeiro MEI Uber para compartilhar sua experiência conosco e com a imprensa. Segundo ele, que já havia trabalhado como representante comercial, nunca mais abriria mão da liberdade proporcionada por ser “dono do seu negócio”. Sabendo que era responsável pelo fruto do seu trabalho, contou histórias de como definia seu horário, como não precisava lidar com burocracia e até como evitava um chefe intolerante. Sem nunca ter lido um autor clássico, era um liberal, assim como outros 19,9 milhões de MEIs e donos de pequenas empresas no país. Este liberalismo vivo, pulsante, prático, está transformando o Brasil — do indivíduo à política.

O liberalismo, conceitualmente, é complexo. Trata-se mais de uma filosofia, ou uma moral, cuja definição já rendeu inúmeras obras de autores de diferentes origens e contextos históricos. Desde seu nascimento, com a Revolução Gloriosa de 1688, tem seu alicerce na limitação do poder do Estado e na liberdade individual. Na economia, seguiu a escola inglesa, que enxerga a liberdade como ausência de obstáculos externos às escolhas pessoais, o resultado da luta singular pela individualidade humana, contra a coerção do poder instituído. O liberalismo econômico vislumbrou, desde o início, um vínculo estreito entre liberdade e prosperidade — o individualismo desacorrentado movimentaria a economia pela ação humana descentralizada, inovadora, repleta de energia, e os mercados livres fariam seu papel de disseminação de informações para que as decisões fossem as melhores.

Essa complexidade conceitual, porém, nos leva a um inevitável paradoxo. Por um lado, o ser humano busca a liberdade sem necessariamente saber definir cabalmente o que isso significa ou suas consequências; é levado mais por uma emoção imemorial do que pelo seu significado racional, iluminista. Por outro, a democracia liberal e o grande contrato social precisam de escolhas políticas coerentes em sua direção. Esse paradoxo está no âmago de termos poucas pessoas que se reconhecem como “liberais”, a ponto de cogitarmos se seríamos capazes de encher uma Kombi. Liberalismo é tão sexy como uma obra de James Joyce.

Se por um lado é quase impossível mobilizar a sociedade toda em torno do conceito de liberalismo, vem crescendo o pensamento político descentralizado na busca pela liberdade de empreender. É na vontade do artesão, da cabelereira, do pintor, do dono de uma pequena franquia, de um bar, de uma oficina mecânica, que fervilha a vontade de transformar o mundo sem as amarras de um governo interventor e burocrático. Não por acaso, esses são os MEIs e as microempresas mais abertas no país. São os que se rebelam a cada vez que são cerceados em suas iniciativas, vilipendiados por arbitrariedades, expropriados por excessos de cobranças e encargos acessórios, freados pela burocracia coercitiva. Há de se notar que a chama empreendedora vem se disseminando em todas as camadas da nossa sociedade. Como exemplo, 76% dos moradores das favelas declararam que tiveram, têm ou desejam ter seu próprio negócio, em recente pesquisa da Data Favela.

Dentro de grandes empresas, cada vez mais pessoas se tornam “empreendedores corporativos”, aqueles que buscam o novo, criam produtos, redesenham processos, reorganizam departamentos, desenvolvem mercados. Esses, movidos pelo desejo de buscar significado em sua ação, também encontram a realidade do mundo dos negócios, seus obstáculos e suas facilidades.

Uma das maiores prioridades, nos últimos quatro anos, tem sido desacorrentar nossos empreendedores, construindo instituições condizentes com a prosperidade. A Lei da Liberdade Econômica, a Lei do Ambiente de Negócios, o Marco de Startups e inúmeras medidas infralegais protegeram a atividade empreendedora – em pequenas e grandes empresas. Executivo e Legislativo avançaram muito — cabe destacar, por exemplo, a votação histórica da Lei do Ambiente de Negócios na Câmara dos Deputados: 503 votos a favor e apenas 10 contra. A sociedade tem influenciado diretamente o Congresso, e frequentemente vemos parlamentares acompanhando ao vivo as discussões nas redes sociais. Centenas de municípios e Estados têm caminhado na mesma direção, em um grande movimento nacional pela liberdade de empreender e crescer. Essa é a maior origem do crescimento dos últimos anos. De fato, 76% de todos os 4,8 milhões de empregos criados desde 2019 vieram de micro e pequenas empresas, sem contar com os próprios 8,9 milhões de novos empreendedores líquidos.

Todos esses dados apontam na direção do otimismo. O Brasil vive hoje um despertar empreendedor — liberal na sua essência — como nunca visto, mobilizando recursos econômicos e decisões políticas. Ainda há muito o que fazer. Segundo nossas estimativas, caso o ranking de Ambiente de Negócios continuasse a ser calculado, estaríamos no 68o. lugar, uma melhoria inédita de 56 posições em quatro anos, mas ainda incompatível com nossas aspirações de nação desenvolvida. O momento nos permite sonhar mais alto, em sermos um país continental e com excelente ambiente para empreender, próspero pelos méritos do brasileiro. O caminho político passou a ser viável e presente, e esperamos que perdure.

(*) Carlos da Costa é chefe do Escritório de Representação do Ministério da Economia no Exterior. Foi Secretário Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, responsável por reformas econômicas e regulatórias para melhorar o ambiente de negócios, fortalecer as empresas e promover o crescimento do país. Foi diretor de Planejamento, Produtos, Crédito e Tecnologia do BNDES, presidente do Instituto de Performance e Liderança, Executive in Residence no JPMorgan e sócio-fundador do Ibmec em São Paulo.

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