The Right Stuff (a coisa certa), um aplicativo de namoro que será lançado no próximo mês nos Estados Unidos, pretende ter dois tipos de usuário: senhoras e senhores que procuram conhecer pares conservadores como eles. “Outros aplicativos de namoro ficaram dispersos. Nós reunimos pessoas com valores comuns e paixões semelhantes”, prometeu nesta semana.
O novo aplicativo pretende controlar o banco de pretendentes para que os conservadores não “suportem mais anos de encontros ruins e perda de tempo com pessoas que não veem o mundo do nosso jeito, do jeito certo”. Muitos deles foram arranjados no Tinder, que revolucionou a busca por relacionamentos há uma década.
É uma oferta intrigante: a eliminação do que um articulista da revista Vanity Fair chamou um dia de “apocalipse do namoro” de conexões casuais baseadas em combinações “deslize para a direita”, em favor de encontros seletivos com pessoas que pensam da mesma forma. Nesta semana seu site exibiu uma amostra de perfil: “Paul”, um católico de 29 anos que adora música country, não gosta de Joe Biden e quer ter filhos.
Mas é um passo retrógrado. Os aplicativos de namoro são propensos ao abuso, principalmente por homens jovens que desejam sexo, mas também têm benefícios consideráveis. Para os que buscam relacionamentos de longo prazo fora de seus círculos mais próximos, eles aprofundam a reserva e ampliam a oportunidade.
O conservadorismo conjugal está embutido em todos nós. O que os cientistas chamam de “endogamia” –a tendência das pessoas a se combinar com outras iguais a elas, em termos de educação, classe, etnia e religião– está profundamente enraizado. Este tribalismo não precisa ser mais estimulado.
Costumava ser policiado por familiares e amigos. Mais de um quarto dos casais americanos heterossexuais se conheciam por meio de suas famílias em 1940, mas a proporção vem caindo desde então. Cerca de 35% ainda eram apresentados por amigos em 1980, antes de o namoro online decolar.
O Tinder se orgulha de sua abertura: não usa status social, religião ou etnia em seu algoritmo de correspondência de usuários, alegando que “a festa fica melhor quando grandes pessoas de todas as esferas da vida podem se reunir”. É o maior aplicativo de paquera do mundo, e quer mais usuários.
Os aplicativos nem sempre são tão inclusivos: o Bumble permite que usuários “premium” pesquisem pessoas por nível de instrução e outros atributos, e é fácil enviar sinais por meio dos perfis. Os conservadores dos EUA reclamam que os liberais colocam em suas páginas “Deslize para a esquerda se você votou em Trump”. Eles podem ser usados para pesquisar de forma mais eficiente por semelhanças, em vez de maior variedade.
O animador é que, apesar de tudo isso, a tecnologia tende a produzir maior diversidade nas relações, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. A cena da paquera pode ter se tornado mais frenética e estressante, mas o mercado de casamentos ganhou com a liberalização.
O casamento interracial costumava ser ilegal em muitos estados dos EUA; o namoro online o encorajou. Os aplicativos também aumentaram os encontros online de pessoas de diferentes religiões e níveis educacionais, segundo alguns estudos. Talvez os candidatos fossem inerentemente aventureiros nos primeiros dias, mas há poucos sinais de que isso esteja desaparecendo conforme mais pessoas aderem.
Muitas mulheres jovens têm experiências ruins de namoro por meio de aplicativos: mais da metade das americanas em uma pesquisa os considerou uma maneira insegura de conhecer pessoas. Mas Gina Potarca, pesquisadora da Universidade de Genebra (Suíça), argumenta que mulheres com educação superior que desejam relacionamentos duradouros saem ganhando com a possibilidade de pesquisar um grupo maior de candidatos.
Potarca, que estudou namoro online nos EUA, na Alemanha e na Suíça, descobriu que essas mulheres geralmente buscam compatibilidade emocional, mais que posição social, selecionando parceiros por suas posturas em relação ao casamento e papéis de gênero. “Elas estão em desvantagem offline pela falta de homens compatíveis, mas são hábeis em encontrar o que querem nos aplicativos de namoro.”
O resultado é a mistura entre classes e raças, em vez de as pessoas serem rigidamente fiéis a suas raízes. Isso me parece um bem público numa era de divisões irascíveis sobre atitudes sociais e políticas. Os opostos muitas vezes se atraem, e Romeu e Julieta mostraram que a rebeldia dá ao romance uma emoção especial.
Portanto, não posso dar as boas-vindas a The Right Stuff. Você poderia argumentar que selecionar “pessoas com valores comuns” não é muito diferente de como muitos liberais usam os aplicativos existentes, apenas com o resultado oposto. Tampouco é o único a limitar seu grupo de membros: o Match Group, do Tinder, adquiriu no mês passado The League, um aplicativo de namoro para profissionais que funciona como um clube de elite.
Mas é um espelho da sociedade ocidental –o desejo de se afastar de outras tribos e formar casulos com pessoas que se parecem com você, concordam com você e reforçam os preconceitos existentes (por todos os lados). Uma das belezas do sexo é que ele pode perturbar tudo isso através de impulsos biológicos.
The Right Stuff foi fundado por dois ex-assessores de Donald Trump e evoca a conhecida promessa de restaurar a tradição. “Precisamos voltar ao jeito certo de namorar”, diz Ryann McEnany, irmã da ex-secretária de imprensa de Trump, em seu vídeo de apresentação.
Sem dúvida era bonito ser escolhida por um menino que seus pais conheciam, que a esperava do lado de fora da cerca branca. Definitivamente parecia mais organizado do que ser empurrada para a cacofonia do aplicativo de namoro. Mas dê uma chance à flecha de Cupido.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves