‘Mulher-Hulk’: Marvel acerta o tom em sua primeira comédia assumida – 19/08/2022

“Ela parece a princesa Fiona.” Quando a Marvel exibiu o primeiro teaser para “Mulher-Hulk”, as comparações com a protagonista de “Shrek” não foram lisonjeiras. Mesmo longe de ser o desastre digital alardeado online, o visual da nova heroina certamente precisava de um trato para espantar a má primeira impressão.

Bom, se a disposição de ver o time entrando em campo desfalcado dificilmente vai mudar a opinião de quem torceu o nariz na largada, “Mulher-Hulk” rapidamente vira o jogo quando apresenta sua arma secreta: a atriz Tatiana Maslany.

Estrela da série de ficção científica “Orphan Black”, Maslany assume aqui o papel da advogada Jennifer Walters. Com sua carreira disparando e de bem com a vida, ela vê sua situação em risco depois de um encontro com seu primo, Bruce Banner (Mark Ruffalo), mais conhecido por seu alter ego esquentado, o Hulk.

Jennifer Walters (Tatiana Maslany) em seu habitat natural: o tribunal

Imagem: Marvel

Um acidente de carro faz com que o sangue de Banner entre na corrente de Jennifer (eu sei, eu sei, mas segue o jogo…), alterando seu DNA. A boa e velha pseudo ciência de histórias em quadrinhos termina com ela se tornando uma gigante esmeralda de força descomunal e um problema terrível de gerenciamento de raiva.

O conceito é tolo, e justamente por isso que “Mulher-Hulk”, assumidamente uma comédia, funciona. A série rapidamente desconstrói todo o drama que envolve a origem de super-heróis no universo Marvel.

Enquanto Banner vem com o papo de “sua vida nunca mais será a mesma”, com uma dose nada sutil de “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”, Jennifer dá de ombros, diz que não está interessada e que só quer voltar para sua rotina. Como ela não tem dupla personalidade e é capaz de controlar suas transformações, qualquer contra argumento se evapora.

Criada nos anos 1970 por Stan Lee e John Buscema, a Mulher-Hulk foi uma de muitas tentativas na época de expandir marcas conhecidas e proteger o copyright de personagens famosos. Um expediente preguiçoso que rendeu à época heroínas como Mulher-Aranha e Miss Marvel.

Inicialmente batizada “selvagem”, a personagem protagonizou histórias que basicamente eram refugo de baixo orçamento de aventuras do primo famoso. De “selvagem” ela passou a “sensacional” nos anos 1980, quando o escritor e desenhista John Byrne primeiro a colocou no Quarteto Fantástico, depois lhe deu título próprio.

Essa fase viu Jennifer Walters enfrentando vilões classe Z da Marvel em aventuras recheadas com o mais fino humor. Não raro, a heroína quebrava a quarta parede e se endereçava direto ao leitor – e aos editores da própria Marvel.

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Nem Tim Roth acreditava que ele voltaria à Marvel

Imagem: Marvel

Já no século 21, o roteirista Dan Slott relançou mais uma vez o título da heroína, dessa vez enfatizando sua atuação como advogada em um mundo recheado de seres super poderosos, o que deixou a interpretação da Lei mais elástica.

“Mulher-Hulk” bebe diretamente da fase de Slott, com algumas pitadas da era de Byrne – inclusive os papos com o público, bem ao estilo “Fleabag”. O que impede a nova série de explorar totalmente esse potencial é justamente sua limitação orçamentária e também, digamos, de “elenco”. Afinal, se nos quadrinhos os roteiristas se beneficiam de décadas de histórias e centenas de personagens, o universo cinematográfico da Marvel mostra-se um cardápio mais limitado.

Os entraves, entretanto, são compensados com a performance deliciosa de Tatiana Maslany. De sua química adorável com Mark Ruffalo no começo da série, ela se torna o foco quando assume sua vida como Mulher-Hulk sem largar a prática da Lei. Coadjuvantes bizarros com poderes estranhos completam a mistura.

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O Hulk e a Mulher-Hulk em (raro) momento zen

Imagem: Marvel

Esse choque do mundo real com o fantástico é o fio condutor perfeito, que ganha vulto com a adição de velhos conhecidos da Marvel, como Wong (Benedict Wong), o Abominável (Tim Roth, resgatado de “O Incrível Hulk”) e o Demolidor (Charlie Cox, resgatado do limbo da Netflix).

“Mulher-Hulk” não é, nem de longe, uma série perfeita. A narrativa, com muitos conceitos e situações sendo adotados e nunca desenvolvidos, se beneficiaria com roteiros melhor amarrados. Dada sua premissa absurda, senti falta de os realizadores não se abrirem para mais riscos.

Mas isso é papo de crítico chato. “Mulher-Hulk” é uma adição despretensiosa ao cânone da Marvel fora dos gibis, com uma protagonista inspirada e um time de coadjuvantes que eleva o resultado. Quanto aos efeitos digitais, não há o que temer: o banho de loja quase sempre funciona. Ponto para o time!

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