Muito barulho por nada: ‘Agente Oculto’ é um grande desperdício de talento – 27/07/2022

Assistir a “Agente Oculto” é como almoçar em um hotel 5 estrelas e chegar no fim do bufê: o lugar é lindo, as pessoas parecem elegantes e sofisticadas, mas não sobrou muita coisa além das migalhas.

É absolutamente impressionante ver tanta gente de talento reunida em um projeto tão enfadonho e envelhecido. “Agente Oculto” é um filme de espionagem que não faz mais do que tomar emprestado de outros filmes melhores e mais empolgantes.

Existe uma mistureba de James Bond e “Missão: Impossível” com a ação percorrendo uma dúzia de países. Temos um sequestro adolescente que lembra a trama de “Comando Para Matar”. Os dois protagonistas buscam uma dinâmica no estilo “A Outra Face”, mas sem um décimo de seu charme cafona.

Chris Evans é muito, mas muito malvado em ‘Agente Oculto’

Imagem: Netflix

Pior mesmo é constatar que os irmãos Joe e Anthony Russo já fizeram muito melhor antes, mesmo sem dispor de tanta liberdade. “Agente Oculto” é um pastel de vento que mal serve como diversão ligeira, uma relíquia que teria dificuldade em fazer barulho mesmo nos anos 1990. Um filme que se leva super a sério e desmorona ante seu próprio peso.

Baseado no livro “The Gray Man”, de Mark Greaney, o filme segue o espião codinome Sierra Seis (Ryan Gosling), que depois de uma missão entra em conflito com seu contato na CIA. Para despachar o suposto traidor, o figurão contrata o assassino Lloyd Hansen (Chris Evans), que tem a tortura como passatempo, para caçar Seis e recuperar um pen drive.

A Netflix investiu cerca de US$ 200 milhões e despachou equipes pelo mundo sob o comando dos irmãos Russo para, basicamente, criar um thriller com um espião em fuga, o que é literalmente a trama de nove entre dez filmes do gênero. A repetição não é um problema quando compensada com charme e personalidade. Não é, nem de longe, o caso.

Filmes de ação são geralmente construídos com movimento. Uma cena informa a seguinte, e assim por diante. Um bom filme de ação integra sua energia cinética à narrativa: as perseguições, lutas, tiros e explosões ajudam a contar a história e são indispensáveis ao entendimento do filme.

Em “Agente Oculto”, contudo, elas são confusas e servem apenas como barulho. Difícil acreditar que os realizadores do excepcional “Capitão América: O Soldado Invernal”, um thriller político disfarçado de aventura de super-heróis, tenham feito um produto tão enfadonho. É um problema claro de direção: falta noção de espaço e de geografia, não há cuidado com a composição da ação. Nada tem foco, tudo é desleixado.

O maior exemplo é uma cena em que Seis enfrenta, no centro de Praga, um batalhão de mercenários enviado por Lloyd. A polícia é pega no fogo cruzado, veículos explodem, o clímax ocorre em um VLT, com o desprezo habitual pelas leis da física. São tantos elementos e, mesmo assim, nada acontece, nada empolga, não existe catarse e nem pico de adrenalina.

greyman armas - Netflix - Netflix

Ana de Armas corre, atira e luta bastante em ‘Agente Oculto’

Imagem: Netflix

Se a ação é genérica, o desenvolvimento de personagens é inexistente. Ryan Gosling parece entediado, enquanto Chris Evans está a um passo de enrolar a ponta do bigode para completar sua caricatura de vilão. Ana de Armas tenta injetar algum carisma, assim como Billy Bob Thornton e Wagner Moura. Todos são fatalidades ante a apatia do filme.

Historicamente, existe espaço para bons personagens mesmo no cinema do exagero – especialmente nele, eu arriscaria. O épico indiano “RRR”, também disponível na Netflix, é uma ode ao absurdo, mas o foco nunca deixa de estar na dinâmica em seus protagonistas.

Não há em “Agente Oculto”, por outro lado, personagens de verdade. Não sabemos nada sobre eles e o filme não se dá o trabalho de nos informar. Os diálogos são uma pérola da preguiça. Quando a personagem de Ana de Armas pergunta ao espião de Ryan Gosling o que ele encontrou em um drive criptografado, a resposta vem assim: “Não sei, está criptografado”.

greyman set - Netflix - Netflix

Ryan Gosling corre atrás do trem no centro de Praga

Imagem: Netflix

É legítimo, em meio ao oceano de propriedades intelectuais manjadas no cinema e em streaming, apostar em um filme de ação tradicional. A própria Netflix tem arriscado em seu portfólio. Às vezes com sucesso (“Resgate”, com Chris Hemsworth, é bem decente), outras nem tanto (“Alerta Vermelho” tem… probleminhas).

“Agente Oculto” não é um produto torto por oferecer algo que já conhecemos, e sim por não dar a mínima. Quando um filme do gênero não oferece nenhum risco, fica difícil se importar com o resultado. Termina como um exercício em pura inércia, o que geralmente funciona no arranque – a Netflix já planeja uma continuação e filmes derivados em um “Universo Agente Oculto”. Socorro.

Quando eu era moleque, um dos quadrinhos que eu mais gostava na vetusta revista “MAD” era “Spy vs. Spy”, criação de Antonio Prohias em que dois espiões basicamente tentam se matar em tirar curtinhas. O humor estava na repetição e no absurdo das situações, claramente uma zoeira com a Guerra Fria.

Eu toparia fácil ver mais de “Agente Oculto” como uma versão de carne e osso de “Spy vs. Spy”. Os irmãos Russo ainda têm cartuchos para queimar, basta escolher um tom e se manter consistente. Eles ainda merecem, vá lá, o benefício da dúvida. Mas, por tudo que há de mais sagrado, alguém arranque o drone de suas mãos!

Deixe um comentário