O protesto que impediu o vereador paulistano Fernando Holiday e outros candidatos do partido Novo de falar em evento na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) trouxe à tona novamente o debate sobre quão tolerantes com opiniões divergentes são alguns setores da esquerda.
O grupo do Novo falaria em evento sobre cotas e financiamento organizado pela UJL (União Juventude e Liberdade), entidade estudantil liberal, no dia 29 passado.
Sob o som de tambores e os dizeres “recua, fascista, recua, a Unicamp nunca vai ser sua”, estudantes ligados à UJC (União da Juventude Comunista) protestaram contra a presença dos palestrantes, que disseram ter sido agredidos e que tiveram o microfone cortado.
Após o tumulto, o evento acabou não acontecendo.
Procurada pela Folha, a universidade condenou o ocorrido.
“A Unicamp é historicamente reconhecida como um espaço aberto ao debate de ideias, onde as divergências sempre estiveram subordinadas ao respeito às diferenças”, disse a instituição em nota.
“Nesse contexto, a universidade condena quaisquer atos que, em detrimento do debate democrático, resultem em manifestações de violência.”
O texto afirma ainda que “atividades acadêmicas com lideranças e atores políticos, promovidas por órgãos, instâncias e/ou entidades internas à universidade são reconhecidas como legítimas pela reitoria, sendo necessário atender às normas previstas para uso e ocupação dos espaços dos campi”.
Segundo a universidade, essas normas internas para a realização do evento tinham sido respeitadas no evento de quarta-feira.
Apesar do posicionamento da universidade, o estrago já estava feito, avalia Wilson Gomes, professor de teoria da comunicação da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e colunista da Folha.
Para ele, Holiday conseguiu reforçar a imagem da universidade como antro de uma esquerda intolerante, e isso provavelmente foi mais do que ele obteria se de fato tivesse conseguido falar no evento do campus.
Holiday pretende disputar vaga na Câmara dos Deputados e outros dois barrados, Leo Siqueira e Lucas Pavanato, concorrerão à Assembleia Legislativa de São Paulo.
Na opinião de Gomes, é preocupante que se perca a ideia da deliberação pública na sociedade, a ideia de que o melhor argumento pode prevalecer. “Se universitários não têm condições de enfrentar o Novo argumentativamente, vão ganhar de quem?”
Nas redes em que a notícia reverberou, militantes de esquerda apontaram a contradição de Holiday em se dizer censurado.
Logo ele, que comandou visitas a escolas para fiscalizar professores e integrou movimento, o MBL (Movimento Brasil Livre), que incentivou a censura a eventos culturais.
Holiday, que deixou o movimento, defende-se da comparação. “Mesmo quando eu fazia parte do MBL não me recordo de ter invadido eventos. A gente protestou em eventos e mesmo na casa de pessoas, o que hoje não acho saudável. E nunca tentei impedir uma aula”, diz.
Ele diz ter registrado boletim de ocorrência após o evento da Unicamp em razão de ameaças recebidas nas redes. Não prestou queixa pelas agressões que o grupo diz ter recebido porque, segundo ele, “não foram tão graves”.
A Folha pediu entrevista para ouvir algum integrante da UJC, mas não teve resposta. Em rede social, o movimento afirmou que não daria “um minuto de trégua aos responsáveis por fazer com que a nossa classe tenha que enfrentar a fome, o desemprego, a miséria e o sofrimento psíquico”.
“O neoliberalismo não se debate, se destrói!”, disse o grupo da juventude do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Em outra rede, o Diretório Central do Estudantes (DCE) da Unicamp postou em tom comemorativo que o “movimento estudantil expulsa MBL da Unicamp”.
“No ano em que a lei de cotas será revisada e de vários ataques é preciso que façamos da universidade um território de organização para a derrota da extrema direita”, diz a publicação.
O caso ecoou os tumultos ocorridos em 2018 em universidades federais em meio à exibição do documentário “O Jardim das Aflições”, sobre o escritor Olavo de Carvalho, guru bolsonarista.
Na época, protestos na exibição do filme terminaram em brigas, inclusive com agressões.
Em artigo em Carta Capital, o professor da UFMG Camilo Aggio comparou os dois episódios.
“Não se trata apenas de arbítrio e autoritarismo. Trata-se, antes de tudo, de estupidez, de uma compreensão completamente dogmática e distorcida de qual deve ser o papel da universidade”, afirmou.
Professor de direito da Universidade Federal de Lavras, Leonardo Rosa avalia que a realização de protestos contrários a determinados eventos é legítima, em sua opinião, mas o mesmo não vale para impedir uma pessoa de falar na universidade.
Ele ressalta, por outro lado, que episódios pontuais não devem ser usados para colocar como equivalentes as ameaças à liberdade de expressão à esquerda e à direita.
Sob Bolsonaro, o Brasil despencou em ranking global de liberdade de expressão, com ataques em série a jornalistas, recuo na transparência e inquéritos contra críticos.
No início de seu governo, professores de universidades federais chegaram a ter de assinar termos de ajustamento de conduta por causa de críticas ao presidente.
“É difícil dizer quem exatamente é de esquerda e quão representativo é cada grupo. Mas tem um campo que controla a máquina federal e outro não. Estudante da Unicamp não consegue prender ninguém”, diz Rosa.