Não é à toa que a memória de Peter Brook no Brasil ainda se prende ao filme de “O Mahabharata”, versão reduzida para três horas da maratona de nove que maravilhou plateias pelo mundo, inclusive
Nova York, na década de 1980.
O diretor, que acaba de morrer aos 97 anos, chegou tarde e sem maior impacto ao palco brasileiro. No final de 2000, enviou uma produção itinerante francesa de “O Traje” para Porto Alegre. Não chegou a São Paulo, segundo ele, porque os produtores locais acharam ser uma peça menor sua.
Dois anos depois, enviou a São Paulo uma produção francesa de “A Tragédia de Hamlet”, não aquela festejada, com o ator Adrian Lester, em inglês, que filmou. Posteriormente, apresentou uma adaptação da ópera “A Flauta Mágica”.
Foi pelo palco, por suas maiores encenações, como “Sonho de uma Noite de Verão” (1970), que Brook influenciou o teatro por décadas. “A peça é a mensagem”, como escreveu.
Ele citava um conselho que teria ouvido na Alemanha: “Suba de uma vez no seu cavalo”. Era uma recomendação para parar de falar e passar a fazer. Provocar mudança não pelo sermão, mas pela cena.
Embora tenha publicado livros reverenciados, como “O Espaço Vazio” (1968), o diretor não era propriamente um teórico ou ideólogo do teatro. Deixava-se inspirar pelas ideias de outros, acima de tudo, e se expressava pelas peças.
No caso do livro citado, ecoando o francês Jacques Copeau e outros anteriores, Brook defendeu o palco nu: “Um homem caminha por esse espaço vazio, enquanto alguém o observa, e isso é tudo o que é necessário para um ato de teatro”.
O ideal de um “tablado nu” se estabeleceu quando o artista inglês se mudou para Paris, poucos anos depois, e assumiu as ruínas de um teatro no Bouffes du Nord, despojado de ilusionismo cenográfico, voltado essencialmente ao ator.
Desde o início, dirigindo Laurence Olivier e John Gielgud em produções mais tradicionais da Royal Shakespeare Company, Brook já evidenciava sua “curiosidade” como encenador, pelo que escreveu o crítico Kenneth Tynan no começo dos anos 1950.
Dos anos 1960 em diante, não abandonou Shakespeare, mas foi se abrindo cada vez mais para histórias e atores do mundo todo. Ainda em Londres, seu “Sonho” se inspirou na Ópera de Pequim. “Mahabharata”, na França, foi adaptada do épico indiano.
“A Conferência dos Pássaros”, que se desenvolveu ao longo dos anos 1970 como obra em progresso, com apresentações prévias da África à Califórnia, chegou a ter 20 horas, parte de um poema do Irã —e abre a parceria com o roteirista francês Jean-Claude Carrière.
São dessa época, relata o diretor em outro livro célebre, “Ponto de Mudança” (1987), as suas pesquisas na
Bahia, quando fez “muitas perguntas sobre o que vinha a ser possessão na macumba”.
Relatou a conversa com “uma senhora possuída” e anotou que “transformar-se em máscara liberta a pessoa para dizer absolutamente tudo, faz com que não seja necessário ocultar-se”, o que “é o paradoxo fundamental por trás de toda representação”.
Sempre aberto, teria levado a experiência para a “Conferência”, quando usou máscaras pela primeira vez. Na direção oposta, ele pode não ter deixado marca maior com as peças enviadas no Brasil nos anos 2000, mas sua produção das décadas de 1970 e 80 ecoou.
O brasileiro Antunes Filho, por exemplo, se voltou então a clássicos universais, mitos, e brincava que só não encenava “Mahabharata” porque Brook havia chegado antes.
Sempre em mutação e tendo dirigido sua primeira montagem em 1943, o diretor foi categorizado de várias formas ao longo do tempo, de defensor dos clássicos a pós-dramático, de brechtiano a artaudiano.
Sobre Brecht, Brook escreve em sua autobiografia que gostou das encenações, mas nem tanto da teoria do distanciamento, ao encontrá-lo em Berlim. E conta ter sido “proibido pelas autoridades militares britânicas de falar em público com esse comunista notório”.
Sobre Antonin Artaud, diz nunca ter se interessado pela teoria do autor e ator, mas por sua”impetuosa intensidade”.