Deram o Banespa ao Santander
Procurei na imprensa, saíram matérias pequenas, minúsculas. Inclusive no jornal Valor, que deveria cobrir um fato tão importante, “mas nem cobriu”, exaspera-se Feldmann. Não cobriram por que não interessa. Afinal, empresas envolvidas na privatização anunciam muito mais. O professor constata que maracutaias como a ocorrida na venda da CEEE para a Equatorial estão cada vez mais virando regra, infelizmente. “E as coisas não são de hoje, são bem antigas”, observa o especialista.
Para dar um exemplo, emblemático, Paulo ressalta um sério problema no estado de SP: a falta de um banco que apoie os pequenos empresários, as pequenas empresas. De um banco que dê suporte a pequenos agricultores. De acordo com ele, isso tudo existia, e funcionava muito bem na época do Banespa. Até ser privatizado em 2000. Evidentemente, eram atividades pouco rentáveis ao banco, reconhece ele.
Pobres comem ossos, bancos seguem lucrando: no Brasil, faça chuva, faça sol, rico ri à toa
Afinal, o Banespa emprestava para agricultor e pequeno empresário, com taxas menores do que as praticadas pelo mercado. Com prazos mais longos, era uma benesse a tal segmento. “Nos anos 80, 90, a pequena empresa não tinha problemas como tem hoje. Pois o governo FHC, junto com o governo Mário Covas – auge do Tucanistão Paulista – resolveram privatizar o Banespa. Privatizar não é a palavra certa, refuta: “O Banespa foi dado para o Santander”, denuncia Feldmann.
FHC e Vale do Rio Doce
O preço que o banco espanhol pagou na época foi o lucro do Banespa no primeiro ano e meio, recorda o professora. Em um ano e meio, o Santander teria pago sua dívida: “Foi a maior maravilha da história do Santander. Aliás, isso foi citado em todas as revistas internacionais”, revolta-se o nacionalista.
Só a partir daquele momento é que o Santander se transformou num grande player internacional. Ainda segundo Feldmann, até então o banco espanhol não era muito conhecido internacionalmente: “Mas a partir do Banespa, o Santander se transformou nisso que se conhece hoje”, aponta. O efeito Banespa replicou no Brasil inteiro, em vários bancos estaduais, entregues de mão beijada para bancos privados, explica o professor:
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“Na verdade, tivemos várias privatizações que não foram explicadas. É o caso da Vale do Rio Doce, no governo FHC – essa história até hoje não foi contada. O que se sabe é que o valor de venda da Vale do Rio Doce não é nem um milésimo do valor que vale a Vale efetivamente. Então, isso já se sabia naquela época, que o valor da venda era uma coisa muito estranha. Era uma grande maracutaia. Evidentemente, quem comprou foi um dos grandes bancos da época”.
As demais privatizações igualmente causaram problemas para a sociedade brasileira, todas com valores muito baixos de venda, segue o especialista. Para ele, o estado e a cidade de São Paulo tinham um serviço de energia elétrica muito adequado nos anos 90, até uma decisão do governador Mário Covas. “À época, eu trabalhava com ele, acompanhei tudo de perto”, lembra Feldmann. Justamente agora, passada a experiência há tanto tempo, ele garante que o negócio todo foi péssimo para o estado de São Paulo. Isso porque a Eletropaulo passou a ser uma empresa privada.
Ninguém mais privatiza eletricidade
E de lá para cá – lá se vão 25 anos – foi substituída várias vezes: “Uma vendeu para outra, que vendeu a outra e assim sucessivamente. Estamos no 4º ou 5º dono privado depois da privatização e o serviço é deplorável. Mas o fato é que, depois desse tempo, a qualidade piorou muito. Para o cidadão paulistano, há falta de energia muito maior do que havia na época em que a empresa era estatal. E o preço da tarifa da energia elétrica está muito mais alto.
Rio Grande do Sul foi Balão de ensaio das privatizações de FHC e da implantação do Consenso de Washington no Brasil
As privatizações têm de ser olhadas com muito carinho, ensina o mestre. Principalmente no setor elétrico, como essa que ocorreu da CEEE, no Rio Grande do Sul, totalmente inadequada: “Já está mais do que provado, temos vários exemplos no Brasil. Mundialmente, não se privatizam mais empresas de energia elétrica por uma razão muito simples: quando se privatiza, entrega-se ao sócio privado, que continua sendo monopolista”.
Por que? “Ora, tecnicamente, não é possível existir competição na distribuição de energia elétrica. O serviço de distribuição só pode ser feito por uma única empresa, sem concorrência ou competição. Essa nova empresa, sendo privada, vai querer aumentar sua rentabilidade, seu lucro”.
Foco = lucro
Veja o que aconteceu no Amapá, segue o ex-presidente da Eletropaulo, ao citar a Equatorial. Como se sabe, a empresa assumiu a gestão elétrica do Amapá e não fez os investimentos necessários na rede elétrica estadual. Não fez por que? “Porque isso iria diminuir sua rentabilidade, seu lucro”, responde o professor.
Quem padeceu foi o cidadão do Amapá, que viveu o apagão – um dos piores já ocorrido no Brasil – e ficou sem eletricidade durante meses. E ainda paga uma das tarifas mais altas do País. Esse é o resultado da privatização ocorrida no Amapá, com a mesma empresa que assumiu no RS. Paulo Feldmann conclui:
“Portanto, as privatizações não são boas. Elas geram novos monopólios e o novo dono não tem o objetivo de atender a sociedade da melhor forma possível. Seu objetivo, evidentemente, como deveria ser, é aumentar seu lucro. Por essa razão, digo que a privatização da CEEE no RS é péssima. Tenho pena do cidadão riograndense, porque sofrerá muito. Certamente punirá os governantes responsáveis pelo negócio, mas aí já será tarde.”
*A Equatorial Energia controla as distribuidoras de energia Equatorial Energia Alagoas; Maranhão; Pará; Piauí; CEEE Equatorial Energia Rio Grande do Sul; Amapá e CEA.
Amaro Dornelles é colaborador da Diálogos do Sul.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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