Você já pensou em descobrir novos caminhos por aí sem seguir as trilhas que todo mundo pisa? Se já é difícil para a maioria dos trilheiros percorrer alguns dos trechos mais badalados das belas paisagens das serras brasileiras, imagine só como é se aventurar por elas fora dos percursos demarcados, com sinalização de água, área de acampamento e outros serviços. Imaginou? Então, deixe que alguns especialistas contem um pouco melhor essa história.
“Abrir uma nova trilha exige, antes de mais nada, um bom conhecimento do tipo de terreno por onde se vai caminhar”, explica o paulista de Campinas Rodrigo Rodriguez, 47, médico psiquiatra e trilheiro desde 1994. Ele, que calcula ter aberto umas 20 novas rotas, principalmente pela região da serra da Mantiqueira, entre os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, tem um método minucioso para evitar problemas: estudar, estudar e estudar mais um pouco.
“O primeiro passo”, conta, “é identificar, em meio aos mapas das trilhas já existentes, trechos pelos quais as pessoas simplesmente não passam”. Nessa hora, explica ele, os mapas de satélite são seus melhores aliados. Ampliados, revelam claramente os caminhos abertos na área, que podem ser identificados por terem pouca ou nenhuma cobertura verde. A partir daí é definir qual trecho se quer percorrer fora desses traçados.
Pode até parecer coisa simples, mas não é. Afinal, se ninguém ou quase ninguém teve a ideia de carregar sua mochila por determinado trecho, pode haver algum motivo que recomende simplesmente evitá-lo, não é?
“Sim e não”, responde Rodriguez. Sempre com a ajuda dos mapas, e de detalhada análise das imagens, ele explica que consegue identificar, pela tom mais escuro do verde de uma mata, onde é mais provável a incidência de corpos d’água, por exemplo, sempre valiosos aliados do trilheiro. Áreas com paredões de pedras, que podem complicar a jornada, também são identificáveis nos mapas (bem, nem sempre, mas vale a regra), bem como a melhor opção para contorná-las —ou, eventualmente, encarar uma pequena escalaminhada, que nada mais é que engatinhar pelos desníveis do caminho, distribuindo o apoio em quatro pontos (pés e mãos) no lugar dos dois pés habituais.
“O grande detalhe é que você pode fazer um planejamento lindo, desenhar perfeitamente a trilha, mas basta uma parede rochosa de 10 metros de altura, um rio mais fundo e veloz, uma mudança na maré, e pronto, pode ter de abortar o projeto”, acrescenta o médico.
E ele acrescenta: “Cada trilha tem sua dificuldade e suas provações. “O circuito Parque Nacional das Sempre-vivas, na Serra do Espinhaço (MG), por não ter informação alguma, demandou uma logística apurada e dois meses de estudos em imagens de satélite, já a travessia Transpapagaio (MG) completa, com seus 86 quilômetros e altimetria importante, deu para fazer de uma só vez depois de três incursões”.
Qual é a graça de se meter onde ninguém vai?
Para o assistente administrativo da Saúde de Sumaré Divanei Goes de Paula, 52, nascido em Paranapuã, no noroeste paulista, é “um prazer inenarrável” que todo montanhista, à medida que sobe de nível e experiência, começa a buscar. “Você está no topo de uma montanha, vê outras lá longe e começa a se perguntar o que haverá lá, será que é bom lugar para acampar, e aquelas cachoeiras lá longe, será que dá para mergulhar…”, explica ele, apaixonado pelas trilhas há 25 anos.
Mas ele alerta também: “Claro que não dá para fazer só na empolgação, é preciso planejar, estudar mapas, descobrir rotas de fugas caso algo dê errado, enfim, identificar caminhos e estradas que levem o mais próximo possível do objetivo que se traçou, às vezes conseguir autorização de donos de fazendas no caminho, estudar os mapas de satélite e garimpar informações com os moradores que podem nem saber como chegar lá, mas em geral dão dicas valiosas”.
De Paula faz uma ressalva importante, que é tema de polêmica sempre que o assunto aparece nas rodas de trilheiros: “É difícil afirmar categoricamente que nunca ninguém esteve em tal lugar, a probabilidade é quase zero, e sempre tem quem diz que, ah, palmiteiros devem ter passado por aí, ou caçadores e tal, só que nem um nem outro vão se enfiar em vales fechados, em um cânion, e o mais provável é que algum aventureiro tenha, sim, andado por ali, só que não contou para ninguém”.
O servidor diz que já perdeu a conta de quantas trilhas não identificadas nos mapas percorreu nestes anos todos, principalmente na Serra do Mar paulista. “Tive a honra de explorar dezenas de rios a que ninguém nunca nos soube dizer como chegar, fomos até suas nascentes, algumas nitidamente intocadas”, conta, ressalvando que antes a tarefa era mais fácil. “Há muitos anos, havia facilidade para se aventurar nas florestas paulistas, mesmo nos parques estaduais, mas hoje, coma explosão dos esportes ao ar livre, os parques fecharam o certo e tudo é mais controlado”.
Mãos à obra
O planejamento de novas trilhas, com certeza, ganhou grande impulso com a internet e, principalmente, com os muitos aplicativos de geolocalização e visualização aérea. Rodriguez explica que planeja seus caminhos com ajuda dos aplicativos Wikiloc, Wikimapia, Wikiexplora, Google Earth e Caltopo. “Com eles você pode ver até os buracos do caminho que vai percorrer antes de dar o primeiro passo fora de casa”, garante. Da porta para a rua, o GPS é o guia.
De Paula concorda com ele. “Muitas vezes me perguntam como faço, e logo percebo que a pessoa me visualiza de facão em punho abrindo caminho, picando tudo o que é árvore, o que passa longe da realidade, o objetivo nunca é deixar um caminho atrás da gente e, na verdade, ficar dando facãozada por horas quase sempre é inútil e só arrebenta os braços”, resume.