É enganosa uma publicação no Twitter que afirma que “o mundo se rende à importância do Brasil”, fazendo referência ao convite feito pelo governo dos Estados Unidos ao presidente Jair Bolsonaro para participar da Cúpula das Américas.
Apesar de o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de fato, ter chamado o presidente brasileiro para o evento que reúne periodicamente os líderes das Américas do Norte, do Sul, Central e do Caribe, o convite não pode ser considerado notável porque, sendo um país membro da OEA (Organização dos Estados Americanos), o Brasil teria participação garantida.
Comentários no post verificados pelo Projeto Comprova indicam que muitas pessoas entenderam que o convite seria importante. “Estão respeitando o Brasil como merece e deve. O capitão é duro e o Brasil agora tem dono, nós patriotas e comandados por um grande brasileiro”, escreveu um dos usuários. “Falaram que o líder Bolsonaro estava isolado e agora imploram a ida dele!”, “Biden só chamou o Bolsonaro para ajudar porque sabe que ele vence as eleições no Brasil e irá precisar do Brasil lá na frente”, disseram outros.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação
O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 8 de junho, a publicação teve mais de 2,6 mil interações entre comentários, curtidas e compartilhamentos.
O que diz o autor
Procurado por meio de um comentário no Twitter, o autor da publicação não respondeu ao contato.
Como verificamos
A reportagem buscou informações sobre o funcionamento e o objetivo da Cúpula das Américas em sites oficiais como o da OEA, do Departamento de Estado dos Estados Unidos, da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, além de notícias da imprensa brasileira.
A equipe também buscou a OEA, o Departamento de Estado dos Estados Unidos e a Casa Branca a fim de entender como é realizado o processo de convocação dos países que participam da reunião.
Por fim, a equipe conversou com a coordenadora do curso de relações internacionais da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado) e consultora da Comissão de Relações Internacionais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, Fernanda Magnotta, que fez uma análise sobre a participação do Brasil no encontro deste ano.
A Cúpula das Américas
O evento é uma reunião periódica entre 35 governantes de países da América e do Caribe, que tem como objetivo a discussão de questões políticas comuns e a construção de uma visão compartilhada para enfrentar os desafios enfrentados pelos países da região.
A cúpula ocorre aproximadamente uma vez a cada três anos e é a única reunião de todos os líderes da América e Caribe.
Além dos governantes, cada encontro é formado pelo Gric (Grupo de Revisão da Implementação de Cúpulas), pelo Grupo de Trabalho Conjunto de Cúpulas —composto por 13 instituições regionais e internacionais que fornecem assistência técnica durante a negociação dos temas da cúpula—, por organizações da sociedade civil, representantes de comunidades indígenas, líderes cívicos, empresários e jovens empreendedores.
A nação que sedia a reunião atua como presidente do processo das cúpulas e o anfitrião anterior atua como vice-presidente.
De acordo com o Departamento de Estado dos Estados Unidos, a primeira Cúpula das Américas foi convocada pelo então presidente americano Bill Clinton e ocorreu em dezembro de 1994, em Miami, na Flórida. O propósito da reunião era criar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Desde então, sucederam-se oito edições: Santiago, Chile (1998); Cidade de Quebec, Canadá (2001); Mar del Plata, Argentina (2005); Port of Spain, Trinidad e Tobago (2009); Cartagena, Colômbia (2012); Cidade do Panamá, Panamá (2015) e Lima, Peru (2018).
Conforme consta no site da OEA, que atua como secretária técnica da cúpula, alguns temas já discutidos em reuniões anteriores foram educação, o problema das drogas nas Américas, sustentabilidade ambiental, segurança energética, discriminação e criminalidade.
Brasil no evento
Em 2022, a Cúpula das Américas está sendo sediada em Los Angeles, nos Estados Unidos, entre os dias 6 e 10 de junho. O tema desta nona edição é “Construindo um futuro sustentável, resiliente e equitativo”.
À reportagem, a OEA e o Departamento de Estado dos Estados Unidos afirmaram que é o país anfitrião, neste caso os Estados Unidos, que emite os convites para a cúpula.
A única informação verdadeira do post aqui verificado é que, de fato, o governo norte-americano convidou Jair Bolsonaro para participar da reunião, como consta na declaração do assessor especial da Casa Branca: “Nesta manhã, em meu encontro com o presidente Bolsonaro, reiterei o nosso desejo de que o Brasil seja um participante ativo da cúpula, pois reconhecemos a responsabilidade coletiva de avançar para um futuro mais inclusivo e próspero”.
Em 26 de maio, o Ministério das Relações Exteriores informou que Bolsonaro aceitou comparecer na reunião. O presidente brasileiro deve chegar aos Estados Unidos na quinta-feira, dia 9 de junho.
No entanto, na análise da coordenadora do curso de relações internacionais da Faap e consultora da Comissão de Relações Internacionais da OAB/SP, Fernanda Magnotta, o convite feito pelo governo dos Estados Unidos a Bolsonaro não é significativo porque o Brasil é um país membro da OEA, o que assegura participação na cúpula.
“O Brasil ser convidado não representa muito, porque é uma praxe. Me parece que a expressão ‘o mundo se rende à importância do Brasil’ é uma tentativa de capitalizar politicamente, no contexto das eleições. O governo Bolsonaro tenta há tempos descolar um encontro bilateral com Biden, entre outras razões, para tentar contestar a ideia de que o país é um pária internacional e está isolado. Há uma lógica política doméstica”, afirma Magnotta.
Ainda de acordo com a especialista, o encontro deste ano é bastante simbólico e esperado por dois motivos. O primeiro é que os Estados Unidos não sediavam a cúpula desde a sua primeira edição e o segundo é que a última reunião foi considerada um fiasco diante da ausência de diversos líderes, como o próprio Donald Trump, então presidente dos Estados Unidos.
Ausências no evento
Segundo informações divulgadas na imprensa em 6 de junho, primeiro dia da cúpula, o país anfitrião não convidou Cuba, Venezuela e Nicarágua por considerar que os países não possuem regimes democráticos.
A ausência dos convites gerou instabilidade diplomática e líderes de algumas nações confirmaram que não estarão presentes no evento. Os presidentes do México, Andrés Manuel López Obrador, de Honduras, Xiomara Castro, e da Guatemala, Alejandro Giammattei, anunciaram que recusaram o convite para participar do encontro.
O presidente da Bolívia, Luis Arce, anunciou que não irá a Los Angeles se todos os outros líderes do hemisfério não forem ao evento, e o chefe de Estado do Uruguai, Luis Lacalle Pou, cancelou a viagem após testar positivo para a Covid-19.
A Casa Branca foi procurada, mas não retornou até o fechamento desta checagem.
Por que investigamos?
O Comprova investiga conteúdos sobre pandemia, eleições e políticas públicas que atinjam grau de viralização nas redes sociais. Ao ser compartilhada por perfis que apoiam o presidente, a publicação investigada ajuda a promover a ideia de que a repercussão global do governo federal é de aclamação, sem informações que sustentem essa percepção.
Anteriormente, o Projeto Comprova mostrou que era enganoso post comparando falas de Biden e Bolsonaro sobre uso de máscaras e que uma enquete popular não oficializava Jair Bolsonaro como Personalidade do Ano na revista Time.