Consumidores russos começam a sentir sanções econômicas – 05/06/2022 – Mercado

Natalia Klyueva começou sua busca por um novo emprego em Moscou em fevereiro –pouco antes da invasão da Ucrânia pela Rússia e da onda de sanções dos países ocidentais como retaliação. Três meses depois, Klyueva, 46, está descobrindo que seus 20 anos de experiência em vendas de alto nível pouco significam em um mundo corporativo transformado pela guerra.

“Não há demanda. Para ser honesta, estou horrorizada”, disse Klyueva, descrevendo os negócios na Rússia como “congelados”, enquanto as empresas ocidentais “escorreram” do país. “Tenho dois filhos, tenho empréstimos a pagar, obras inacabadas… e estou sentada em casa, cozinhando borscht como uma idiota.”

Sua experiência da mudança no mercado de trabalho é um indicador da forma como as sanções e os embargos das empresas ocidentais lentamente vão se infiltrando na economia russa –produzindo o fechamento de lojas e a interrupção das cadeias de suprimentos–, apesar dos esforços do presidente Vladimir Putin para proteger o país dos efeitos da guerra na Ucrânia.

Em um país onde uma grande proporção de trabalhadores é empregada pelo Estado e com a recente aprovação de aumentos nas aposentadorias e no salário mínimo, a maioria dos russos não experimentou mudanças drásticas na vida cotidiana. As receitas flutuantes das exportações de petróleo e gás também deram ao Kremlin meios para oferecer incentivos ao setor privado para licenciar, em vez de demitir trabalhadores. O desemprego permaneceu em cerca de 4%, evitando os picos observados antes na pandemia. E a inflação, que atingiu uma alta de 17,8% em duas décadas em abril, começou a desacelerar.

“Os preços dos mantimentos subiram, sim, mas em geral não mudou muita coisa”, disse Tatiana Mikhailova, economista e acadêmica que vive na capital. Se você não ligar o noticiário da televisão, “pode facilmente ter a impressão de que nada está acontecendo”, disse ela, acrescentando que isso faz a situação parecer “absurda”.

Ainda assim, uma série de indicadores oferece um termômetro das mudanças que começam a surgir.

Uma delas são as vagas de emprego oferecidas. Embora os números do desemprego tenham permanecido amplamente estáveis, a plataforma de recrutamento online HeadHunter descobriu que o número de empregos anunciados caiu 28% em abril, em comparação com o mês de fevereiro anterior à guerra. Os anúncios de empregos em marketing, relações públicas, recursos humanos, gestão de empresas e bancos caíram entre 40% e 55%.

“Há muita gente altamente qualificada no mercado agora. A competição por um cargo está disparada”, disse Klyueva.

Economistas preveem uma disputa mais difícil por empregos. O número de pessoas em licença aumentou de 44 mil no início de março para 138 mil em meados de maio, segundo autoridades, e o número de trabalhadores em regime de meio período também cresceu.

A mudança talvez seja mais visível nos bairros comerciais e shopping centers da Rússia. Em Moscou, as lojas que vendem marcas estrangeiras representam cerca de 40% do espaço de varejo em grandes shoppings, de acordo com a consultoria imobiliária comercial ILM. Muitas dessas lojas fecharam depois que as marcas cortaram os laços com a Rússia. Cerca de 15% a 20% das lojas nos shoppings de Moscou estão fechadas, de acordo com a Knight Frank Russia.

Até o final do ano, até 20% de todos os escritórios de Moscou também poderão ficar desocupados, disse a ILM, principalmente devido à saída de empresas ocidentais.

Esses efeitos não são tão aparentes em todo o país. Mara Kanakina, uma estilista pessoal de Volgogrado, no sul da Rússia, disse que ficou chocada quando visitou Moscou na semana passada. “Andei pela rua Stoleshnikov”, disse Kanakina, referindo-se a uma das ruas centrais mais elegantes da capital, “e quase tudo estava fechado.”

Como empresária independente, Kanakina também foi afetada pela escassez de peças ou suprimentos importados. Ela comprava roupas e acessórios de estilistas estrangeiros e marcas ocidentais para clientes em toda a Rússia, mas no dia da invasão “a Europa inteira fechou”, disse ela.

Os fornecedores pararam de negociar com clientes russos. Os cartões de crédito Visa e Mastercard deixaram o país, o que significa que Kanakina não poderia fazer transações internacionais com cartão. A logística de entrega desmoronou. “Eu bati tanto a cabeça na parede que abri um buraco nela”, disse.

Agora ela conta com intermediários em países como Geórgia e Cazaquistão para encomendar e receber itens de marcas ocidentais, e se autodenomina a “fada das sanções”.

“Sei que posso conseguir qualquer coisa”, disse ela, “mas levará tempo e paciência” para organizar a nova logística.

A falta de bens importados está mudando outros hábitos de consumo. O vinho importado representou 40% do mercado russo em 2021, ou 370 milhões de litros. As prateleiras de vinho agora parecem mais vazias, disse Mikhailova.

E como as líderes do mercado de smartphones, Samsung e Apple, cortaram laços com a Rússia as importações caíram. Por outro lado, a empresa de análise GS Group diz que as importações de telefones no antigo estilo “tijolo” aumentaram 43% no primeiro trimestre.

Exatamente até que ponto as importações caíram é difícil dizer, já que as autoridades russas pararam de publicar números. Mas, usando dados de 20 dos maiores parceiros comerciais da Rússia, economistas do Instituto de Finanças Internacionais estimaram que as importações em abril caíram 50% em comparação com o mesmo mês do ano passado.

Os dados sobre a arrecadação do IVA sobre bens domésticos mostram o grau de declínio do consumo e da atividade econômica. Segundo o Ministério das Finanças, as receitas do IVA caíram 54% em abril em comparação com o ano anterior.

“Estas são apenas as primeiras mudanças menores”, disse Mikhailova. Economistas esperam tempos turbulentos, incluindo uma contração do PIB de até 10% e o desemprego mais que dobrando até o outono.

Isso pode afetar os gastos discricionários em coisas como férias. De acordo com dados da plataforma de recrutamento SuperJob, 35% dos russos dizem que não podem tirar férias de uma semana este ano, contra 30% no ano passado.

Maria Barabanova é outra que enfrenta incerteza no mercado de trabalho. A especialista em marketing em Moscou comandou as vendas na Rússia de uma empresa alemã de tecnologia de beleza. Mas desde o início de maio a mulher de 37 anos procura um novo emprego –porque não há produtos no mercado.”

Não há mais importações, infelizmente”, disse ela. “Nossas exposições em Moscou foram canceladas… Não há equipamento para demonstrarmos.”

Colaborou Valentina Romei, em Londres

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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